Fonte da imagem: https://www.youtube.com/watch?v=3RzdSNk49Tc
Fábio José Lourenço Bezerra
No preâmbulo de sua obra “O
que é o Espiritismo”, Allan Kardec escreveu:
"[...] O Espiritismo é ao
mesmo tempo uma ciência de observação e uma doutrina filosófica. Como ciência
prática, ele consiste nas relações que se podem estabelecer com os Espíritos;
como filosofia, ele compreende todas as conseqüências morais que decorrem
dessas relações.
E
na edição de Dezembro de 1868 da “Revista Espírita”, ele escreveu:
“[...] O laço
estabelecido por uma religião, seja qual for o seu objetivo, é, pois,
essencialmente moral, que liga os corações, que identifica os pensamentos, as
aspirações, e não somente o fato de compromissos materiais, que se rompem à
vontade, ou da realização de fórmulas que falam mais aos olhos do que ao
espírito. O efeito desse laço moral é o de estabelecer entre os que ele une,
como conseqüência da comunhão de vistas e de sentimentos, a fraternidade e a
solidariedade, a indulgência e a benevolência mútuas. É nesse sentido que
também se diz: a religião da amizade, a religião da família.
Se é assim,
perguntarão, então o Espiritismo é uma religião? Ora, sim, sem dúvida,
senhores! No sentido filosófico, o Espiritismo é uma religião, e nós nos
vangloriamos por isto, porque é a Doutrina que funda os vínculos da
fraternidade e da comunhão de pensamentos, não sobre uma simples convenção, mas
sobre bases mais sólidas: as próprias leis da Natureza.
Por que, então, temos
declarado que o Espiritismo não é uma religião? Em razão de não haver senão uma
palavra para exprimir duas idéias diferentes, e que, na opinião geral, a
palavra religião é inseparável da de culto; porque desperta exclusivamente uma
idéia de forma, que o Espiritismo não tem. Se o Espiritismo se dissesse uma
religião, o público não veria aí mais que uma nova edição, uma variante, se se
quiser, dos princípios absolutos em matéria de fé; uma casta sacerdotal com seu
cortejo de hierarquias, de cerimônias e de privilégios; não o separaria das
idéias de misticismo e dos abusos contra os quais tantas vezes a opinião se
levantou.
Não tendo o Espiritismo
nenhum dos caracteres de uma religião, na acepção usual da palavra, não podia
nem devia enfeitar-se com um título sobre cujo valor inevitavelmente se teria
equivocado. Eis por que simplesmente se diz: doutrina filosófica e moral.”
Sobre
este assunto, existe um excelente texto, que reproduzimos abaixo, da estudiosa
do Espiritismo Dora Incontri. Em seu livro “Para entender Allan Kardec”, ela
escreveu:
“A
posição de Kardec ainda não foi compreendida pela maioria e uma das provas
disto está no debate ainda atual se o espiritismo é ou não é religião. Por um
lado, estão os que se autodenominam espíritas laicos e que defendem a idéia de
que Kardec jamais pensou o espiritismo como religião, mas apenas como ciência,
filosofia e moral; do outro, estão os que defendem o chamado tríplice aspecto
do espiritismo, ciência, filosofia e religião, mas agem e pensam como se o
espiritismo fosse apenas mais uma religião. Estes constituem a maioria do
movimento espírita brasileiro.
Analisemos
a polêmica com cuidado, porque os dois lados têm suas razões e os dois lados
cometem enganos. De fato, Kardec não quis estabelecer mais uma religião, no
sentido comum do termo, (por isso, diz muitas vezes que o espiritismo não é
religião), visto que o espiritismo não tem sacerdócio, templos, hierarquia
institucional, dogmas de fé e nem rituais que o adepto deva seguir para
dizer-se espírita. Qualquer pessoa que aceite os postulados espíritas e procure
viver segundo a moral de Jesus pode se dizer espírita, mesmo que jamais tenha
pisado num centro espírita ou assistido a uma reunião. Trata-se de uma
convicção pessoal, de uma adesão livre, de que ninguém está
instituído para pedir satisfações ou exigir o cumprimento disto ou daquilo.
Nesse
sentido, portanto, quando os espíritas laicos dizem que o espiritismo não é
religião, estão certos. Mas seria melhor dizer: não é mais uma religião,
nos moldes das religiões tradicionais.
Se
Kardec promoveu esse desencantamento, essa crítica e esse esvaziamento
hierárquico do universo religioso, guardou aquilo que lhe é essencial. O
Livro dos Espíritos declara como a primeira das leis morais a lei de
adoração a Deus. Essa adoração pode se manifestar no homem em forma de estudo
das leis da natureza – portanto a ciência, como Kepler, Giordano Bruno, Newton
e outros afirmaram, pode ser uma espécie de culto a Deus; e em forma de prática
de amor ao próximo, na vida social, e, também e sobretudo, em forma de oração,
de ligação afetiva do ser humano com a divindade. Ora, o amor ao próximo é a
essência ética da maioria das religiões e a oração é um ato indubitavelmente
religioso. Não há outra classificação para esse ato universal, por mais que o
tornemos simples, espiritualizado, sem ritos, imagens, intermediações, templos,
genuflexões ou gestos...
Além
disso, é das religiões que nos vêm as experiências milenares de contato com a
divindade, de manifestações mediúnicas e de revelações morais – grandes
espíritos reencarnaram no seio das mais variadas religiões do planeta e
exemplificaram uma ética elevada a partir da vivência religiosa. Assim, a
religião é uma forma de ser e estar no mundo que não podemos simplesmente
deixar de lado, porque constitui parte integrante da nossa consciência.
Descendemos da divindade e foram as religiões que revelaram isso.
Portanto,
falar em espiritismo laico – o que significa dizer um espiritismo destituído de
qualquer ligação com o assunto religião – é um contrassenso e uma negação da
obra de Kardec.
O
laicismo nasceu no Ocidente como forma de protesto contra o domínio milenar da
Igreja católica. Fala-se em escola laica, em Estado laico, como lugares
institucionais que se consideram neutros do ponto de vista religioso e fora da
tutela da Igreja. O espiritismo não é neutro em termos religiosos. Kardec
critica, reavalia e recria a religiosidade humana, inaugurando uma nova forma
de ser religioso, sem jamais negar essa dimensão do homem.”
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
1 KARDEC,
Allan. O que é o Espiritismo. São Paulo: Instituto de difusão espírita. [2000];
2
______________. O Espiritismo é uma
religião? Revista Espírita. Dezembro de 1868;
3 INCONTRI,
Dora. Para entender Allan Kardec. Bragança
Paulista-SP: Lachátre, 1ª edição, [2004].
ENDEREÇO
ELETRÔNICO CONSULTADO: