sábado, 22 de outubro de 2011

QUEM É JESUS?


Fábio José Lourenço Bezerra

Quem foi Jesus, este homem cuja existência causou impacto tão grande na humanidade, a ponto de dividir-se a história em antes e depois do seu nascimento?
Inclusos na Bíblia temos quatro evangelhos, chamados canônicos, atribuídos a Marcos, Mateus, Lucas e João. Será que estes evangelhos podem nos dar um fiel retrato de quem foi e o que ensinava Jesus? Ou seja, será que neles podemos encontrar o Jesus histórico?
Comparando os evangelhos, podemos verificar que existem várias diferenças entre eles. Por exemplo, no episódio do nascimento de Jesus, Mateus fala da visita e três reis magos ao local de nascimento. Já Lucas menciona a visita de pastores. Mateus nada fala dos pastores, enquanto que Lucas não cita os três reis magos. Qual deles visitou o Jesus recém-nascido? Os reis magos, os pastores, ou todos eles? Marcos e João não falam do nascimento do Cristo, começando pelo batismo no rio Jordão, chamando-o de Jesus de Nazaré. Já Mateus e Lucas dizem que Jesus Nasceu em Belém. Afinal, onde o nascimento se deu, Belém ou Nazaré? Há, nos evangelhos, três versões para as últimas palavras de Jesus, durante a crucificação: em João: “está consumado”. Em Mateus e Marcos: “Meu Deus, Meu Deus, por que me abandonaste?”, um verso dos Salmos. Em Lucas: “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito”, outro verso dos Salmos. Que frase teria sido dita? Todas, ou apenas uma delas?
As pesquisas sobre o Jesus histórico existem desde o século XVIII. Baseados nas diferenças supracitadas, os estudiosos concluíram que os escritores dos evangelhos deixaram que seus pontos de vista se impusessem sobre os de Jesus, e que o verdadeiro Jesus pode ter sido ocultado no decorrer dos séculos. 
Onde estão os originais do novo testamento, que foi escrito nos séculos I e II? Existem apenas alguns fragmentos do evangelho de João, datado do ano 125, e outro, mais completo, do ano 200. O que temos são cópias das cópias das cópias, e em grego antigo, que não é a língua original dos apóstolos, supostos escritores. O número delas, atualmente, chega a mais de cinco mil. Além disso, as cópias existentes são bastante contraditórias entre si, com claros sinais de adulteração pelos copistas (monges e escribas, que executavam este trabalho manualmente), seja acidental ou intencionalmente, para favorecer a interpretação desta ou daquela corrente ideológica, uma vez que é sabido que, no início, existiram vários cristianismos. Como exemplos de correntes cristãs primitivas, temos os ebionitas, os marcionitas, os gnósticos, os cátaros, os borgomitas e aqueles que podemos chamar de ortodoxos, dos quais originou-se a atual igreja Católica.
Após a análise dos manuscritos existentes, os estudiosos chegaram à conclusão de que o novo testamento não está isento de erros, uma vez que são freqüentes as contradições entre as cópias. Não é possível traçar-se um retrato fiel de Jesus a partir dos evangelhos, devido a essas diferenças. Por exemplo, temos o caso do Codex Sinaiticus, cujo ano da cópia é em torno de 340. Nela, um leproso pede para Jesus curá-lo, e ele “irritado, estendeu sua mão, tocou-o e disse: ‘Eu o farei; sede curado.’” Cópia posterior alterou “irritado” para “com grande compaixão”, demonstrando uma possível tentativa de negar as emoções humanas de Jesus.

Nem historiadores, nem testemunhas, nem entrevistadores das testemunhas. Esta foi a conclusão dos estudiosos sobre os autores dos evangelhos, e que estes foram escritos por volta de 46 anos após a crucificação de Jesus. Concluíram também, a partir dos próprios evangelhos, que Jesus não nasceu em Belém, nasceu de forma natural, e que os detalhes milagrosos do seu nascimento foram inventados. O nascimento em Belém, por exemplo, foi incluído pelos cristãos primitivos para ajustá-lo à previsão do profeta Miquéias (VIII a.C.), que disse que o Messias sairia de Belém.
Os pesquisadores, então, deixaram de lado as narrativas dos evangelhos e começaram a analisar as palavras supostamente ditas por Jesus, tentando encontrar a estrutura primitiva, base dos textos.  Após realizarem uma comparação entre os evangelhos, verificando diferenças e semelhanças, eles viram que os escritores se basearam em fontes primitivas dos ditos de Jesus, dando-lhes contextos e interpretações diversas. Estas fontes eram baseadas na tradição oral e provavelmente escritas em torno de vinte anos após a morte de Jesus. Os autores dos evangelhos, segundo os estudiosos, não eram os verdadeiros apóstolos, mas pessoas que viveram numa época bem posterior à deles, procurando dar autenticidade a seus escritos utilizando-se destes nomes, prática bastante comum na época.
Concluíram também que Mateus e Lucas foram copiados de Marcos (o primeiro evangelho canônico a ser escrito) e de uma fonte não identificada, chamada de “Q”, de Quelle, que em alemão significa fonte. A fonte “Q”, que seria estruturada em ditos de Jesus e não narrativas, no entanto, jamais foi localizada.
No ano de 1945, na cidade de Nag Hammadi, Egito, num velho cemitério, lavradores encontraram alguns potes de barro contendo manuscritos em caracteres copta, um tipo de escrita egípcia que utilizava o alfabeto grego. Estavam escritos em folhas de papiros encadernadas em couro. Uma parte desses manuscritos foi utilizada pelos colonos para acender o fogo; outra parte foi vendida, parando no museu copta do Cairo, onde foram guardados durante onze anos. Posteriormente, peritos examinaram estes manuscritos e descobriram que se tratava de três textos, intitulados: o Livro Secreto de João, o Evangelho de Tomé e o Evangelho de Felipe. Os estudiosos concluíram que as cópias eram do século IV, de um monastério cristão próximo ao local em que foram encontrados. Alguns deles concluíram que os monges enterraram estes manuscritos porque o arcebispo Atanásio, da igreja cristã primitiva ortodoxa, determinou a eliminação de todas as obras que fossem consideradas heréticas. Outros, que os manuscritos pertenciam a cristãos gnósticos heréticos que viviam na região.
É fato bastante conhecido que a igreja ortodoxa perseguiu duramente as chamadas heresias, que nada mais eram do que pensamentos divergentes do que ela pregava.  
O Evangelho de Tomé era composto por 114 citações começando pela frase: “Jesus disse”, sendo uma coletânea de citações sem nenhuma narrativa, precisamente como os estudiosos dos evangelhos imaginavam que seria a fonte “Q”, supracitada. muitas das citações eram semelhantes às de Marcos, Lucas e Mateus, e cinco delas às de João.
Interessante é constatar que os estudiosos já possuíam fragmentos de Tomé em grego, escritos no século I, que foram localizados em fins do século IX, num depósito de lixo na cidade de Oxirrina, Egito. Dessa forma, chegou-se à conclusão que Tomé era mais antigo que Mateus, Lucas e João, e quase da mesma época que Marcos. Além disso, sua estrutura, que era mais simples, não apresentando elaborações nem interpretações, parecia ser mais primitivo que os demais evangelhos.
Os estudiosos americanos concluíram que Tomé era mais antigo que os demais evangelhos e da mesma época que Marcos, enquanto os europeus achavam que ele era posterior.
Quando se faz uma comparação entre Tomé e os demais evangelhos, verificamos que ocorreram alterações e interpretações das palavras de Jesus. Por exemplo, temos a parábola da vinha, onde uma pessoa plantou e a arrendou, indo embora. Sempre, porém, enviava servos para cobrar o aluguel, que eram agredidos pelos lavradores, pois estes não queriam pagar. Na quarta vez mandou seu filho, que foi morto pelos lavradores para ficar com a herança. Em Tomé, não há interpretação para a parábola. Contudo, em Marcos, Mateus e Lucas, tentou-se fazer um paralelo com a rejeição dos judeus ao filho de Deus. Em Marcos, há um comentário de Jesus: “Que fará, pois, o Senhor da vinha? Virá, e destruirá os lavradores, e dará a vinha a outros.”  Algo semelhante ocorre em Lucas e Mateus. A maior parte dos estudiosos acredita que os escritores queriam dar a entender que os lavradores eram os judeus, que perderam o direito à aliança, que, no caso da parábola, era a vinha. Por isso, a mesma era passada a outros, os cristãos.
Muitos estudiosos de Tomé acreditam que a simplicidade do mesmo é uma prova de que ele foi escrito antes dos quatro evangelhos canônicos. Com base em Tomé e outros escritos gnósticos primitivos, eles chegaram à conclusão de que as lições de Jesus tiveram diferentes interpretações por diversos grupos de seguidores. Em Mateus, por exemplo, demonstra-se uma interpretação apocalíptica e messiânica.
Diante do exposto, chega-se facilmente à conclusão de que o ponto de vista ortodoxo, desenvolvido ao longo dos últimos dois mil anos, não é melhor do que a visão gnóstica apresentada pelo Evangelho de Tomé. Esta, como vimos, pode até ter servido de base, e depois adulterada, como vimos acima. Muito provavelmente é a que mais se aproxima do verdadeiro pensamento do Cristo.
A grande quantidade de manipulações (acréscimo, subtração e distorção de trechos e palavras, além de traduções tendenciosas) que sofreu o novo testamento ao longo da história, motivadas por interesses vários, nos faz fazer a seguinte pergunta: como tentar nos aproximar da verdadeira mensagem de Jesus? Para separar o joio do trigo, é necessária uma chave. E qual seria ela?
A Doutrina Espírita, que surgiu do estudo de fenômenos que não se encaixam nas leis naturais conhecidas pela ciência oficial (Ver o texto “Por que ser espírita?”, neste blog), não se baseou na Bíblia para formular os seus postulados, mas vai ao seu encontro, pois concorda com ela em vários pontos. Aliás, explica várias passagens que, até então, permaneciam obscuras.
A reencarnação, por exemplo, fazia parte da crença dos cátaros, dos borgomitas e dos gnósticos.
No Evangelho de Tomé, na citação nº 108, temos:
“Disse Jesus: quem beber da minha boca tornar-se-á como eu. E eu serei o que ele é. E as coisas ocultas lhe serão reveladas.”
A citação acima é 100% concordante com o Espiritismo. Afinal, este considera Jesus não como sendo Deus, mas como um irmão mais velho, mais experiente, que veio nos ensinar o caminho de chegar até ele, que já está em comunhão com o Pai. Aliás, podemos dizer que é o evangelho que mais se aproxima dos postulados espíritas.
Na citação nº 113, temos:
“Os discípulos perguntaram-lhe: em que dia vem o reino? Jesus respondeu: não vem pelo fato de alguém esperar por ele; nem se pode dizer, ei-lo aqui! Ei-lo acolá! O Reino está presente no mundo inteiro, mas os homens não o enxergam.”
Aqui podemos claramente visualizar o conceito de céu como um estado de consciência. Estarermos no céu ou no inferno conforme sintonizamos o nosso Espírito.  
Na pergunta Nº 625 de “O Livro dos Espíritos”, lemos:
“Qual o tipo mais perfeito que Deus tem oferecido ao homem, para lhe servir de guia e modelo?”
Resposta: “Jesus”
Em seu livro “O Evangelho Segundo o Espiritismo”, Allan Kardec reuniu trechos do Novo Testamento que podem constituir, por assim dizer, um Código de Moral Universal, sem distinção de culto. Para completar cada ensinamento, reuniu algumas instruções escolhidas entre as que foram ditadas pelos Espíritos em diversos países, por intermédio de diferentes médiuns, para evitar, dessa forma, a influência pessoal do meio, provando que os Espíritos dão seus ensinamentos em todos os lugares, constituindo, assim, diversas fontes coincidentes em conteúdo.
Em Mateus, 5 : 44, 46 a 48, diz Jesus: “Amai os vossos inimigos; fazei o bem àqueles que vos odeiam e orai por aqueles que  vos perseguem e vos caluniam; pois, se amais apenas àqueles que vos amam, que recompensa tereis? Os publicanos também não fazem isso? E se apenas saudardes vossos irmãos, o que fazeis mais que os outros? Os pagãos não fazem o mesmo? Sede, pois perfeitos, como vosso Pai celestial é perfeito.”
Em Mateus, 22 : 34 a 40, consta: “Os fariseus, ao ouvirem que Jesus havia feito os saduceus se calarem, reuniram-se; e um deles, que era doutor da lei, perguntou-Lhe para tentá-Lo: Mestre, qual é o maior mandamento? Jesus lhe respondeu: Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu espírito. Este é o maior e o primeiro mandamento. E eis o segundo, que é semelhante àquele: Amarás teu próximo como a ti mesmo. Toda a lei e os profetas estão contidos nestes dois mandamentos.
Perguntamos: será que nós, pessoas que, de uma forma geral, somos cheios de defeitos, principalmente egoísmo, em apenas uma vida poderíamos chegar à perfeição, a ponto de amar o nosso próximo como a nós mesmos? Quantos não vivem apenas, por exemplo, 19 anos, e mesmo que vivêssemos 100, será que conseguiríamos? Com certeza não. Temos notícias de pessoas que se sacrificaram pelo seu semelhante, como irmã Dulce, Madre Tereza de Calcutá, Mahatma Gandhi, Chico Xavier , etc., mas são raridades no nossos mundo, muito admirados justamente porque foram capazes de fazer, durante toda uma vida, o que a maioria acha impraticável. Com certeza, estas pessoas beneméritas tiveram que passar por várias existências para que, desapegadas da matéria e do egoísmo, tivessem a experiência necessária para encontrarem em seus corações o grande prazer que é fazer o bem. Tiveram que passar pela reencarnação.
Assim, conforme a Doutrina Espírita, Jesus é nosso irmão maior, que chegou a tal patamar que lhe permite nos ajudar com sua sabedoria, recebendo as ordens diretas do Pai. Para isso, como todos os Espíritos, teve que passar por inúmeras encarnações para desenvolver sua inteligência e maturidade moral, chegando ao enorme nível espiritual que se encontra hoje. Conforme o espírito Emmanuel, pela psicografia do médium Chico Xavier, ele também é responsável pelo governo do nosso planeta, tendo presidido, inclusive, a formação do mesmo. Deixou sua mensagem há dois mil anos, mas que nos serve, até hoje, como luz na escuridão. É nosso guia e modelo, pois devemos, a cada dia, tentar nos aproximar daquilo que ele é, embora essa tarefa tenha que levar milênios. Contudo, devemos lembrar que, para levantarmos uma casa, precisamos colocar o primeiro tijolo, depois o segundo, e assim por diante, conforme o nosso ritmo e possibilidades.

Este texto continua em "Quem é Jesus? Parte 2 - Jesus é Deus?", neste blog.


BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:


1 KARDEC, ALLAN. O Livro dos Espíritos. Rio de Janeiro : Editora FEB,1995.;
2________________.O Evangelho Segundo o Espiritismo. São Paulo : Editora Petit, 1997.;
3________________.A Gênese: Os milagres e as predições segundo o Espiritismo. Rio de Janeiro: Editora FEB, 1988;
4 SANTOS, Dalmo Duque dos. Nova História do Espiritismo: dos precursores de Kardec  a Chico Xavier. São Paulo: Ed. do conhecimento, 2010;
5 EHRMAN, Bart D. Evangelhos Perdidos. Rio de janeiro: Editora Record, 2008;
6______________.O Que Jesus Disse? O Que Jesus Não Disse?: quem mudou a Bíblia e porque. São Paulo: Editora Prestígio, 2006;
7______________.Quem Jesus Foi?  Quem Jesus Não Foi? : mais revelações inéditas sobre as contradições da Bíblia. Rio de Janeiro: Ediouro, 2010;
8 ______________.O Problema Com Deus: as respostas que a Bíblia não dá ao sofrimento. Rio de Janeiro, Editora Agir, 2008;
9 RANGEL, Liszt. Arqueologia dos Evangelhos: uma releitura histórica do pensamento de Jesus. Recife: Editora  Bom Livro, 2009.
10 SILVA, Severino Celestino da. Analisando as Traduções Bíblicas: refletindo a essência da mensagem bíblica. João Pessoa: Editora Núcleo Espírita Bom Samaritano, 2000
11 PROPHET, Elizabeth Clare e PROPHET, Erin L.Reencarnação: o elo perdido do cristianismo. Rio de janeiro: Editora Nova Era, 2003.

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