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Alexandre Fontes da Fonseca
Os fenômenos ao nível quântico
apresentam características completamente diferentes das que observamos no nosso
cotidiano. No entanto, é prematuro crer que eles sejam causados por agentes de
ordem divinos ou espirituais.
Na matéria anterior [¹],
apresentamos um alerta a respeito de algumas afirmativas envolvendo idéias da
Física Quântica e idéias espíritas ou espiritualistas. Pretendemos aqui
comentar por que os paradoxos oriundos dos fenômenos quânticos geram a idéia de
que Deus ou algo espiritual sejam a causa ou a origem de tais fenômenos.
Pretendemos, também, discutir a respeito de uma proposta espiritualista feita
pelo professor de Física Quântica, Prof. Dr. Amit Goswami, em seu livro “O
Universo Auto-Consciente”[²],
para solucionar esses paradoxos. O Prof. Goswami foi um dos convidados
internacionais no IV Congresso Nacional da Associação Médico Espírita do Brasil
ocorrido em São Paulo, entre os dias 19 e 20 de junho de 2003.
Um dos fenômenos de natureza quântica
que desperta exclamação nas pessoas leigas em geral é o chamado Salto Quântico,
onde uma partícula “desaparece” da posição (ou estado) em que está e “aparece”
em outra posição (ou estado) sem viajar através das posições (ou estados)
intermediários entre o ponto (estado) inicial e final. Esse fenômeno sugere o
pensamento de que a partícula se desmaterializa na posição inicial e se
materializa, em seguida, na posição final. Assim, surge a idéia de se comparar
esse fenômeno com o que a Doutrina Espírita descreve como sendo o efeito físico
de materialização de objetos. O erro ocorre, primeiramente, porque partículas isoladas
não são comparáveis a objetos macroscópicos. Pensar que “a partícula é
desmaterializada aqui e materializada ali” é uma forma “clássica” de se pensar,
isto é, é uma forma de pensar de acordo com o nosso costume de analisar os
movimentos dos objetos macroscópicos. Não existe suficiente informação para
concluir se o fenômeno de materialização ou desmaterialização de objetos
macroscópicos ocorre da mesma forma como descrito com um salto quântico. Vale
lembrar que os mecanismos do salto quântico são ainda uma incógnita para a
Ciência.
Outra característica interessante é a
chamada dualidade onda-partícula onde um objeto quântico, apresenta
características ora de partícula, ora de onda, dependendo de como “olhamos”
para ela, isto é, de como o experimento é feito para detectá-la. O aspecto que
chama a atenção é o caráter subjetivo do resultado do experimento: ele depende
da nossa escolha. Voltaremos a esse ponto adiante.
Existe um postulado da Mecânica
Quântica chamado colapso da função de onda. Por função de onda, entende-se uma
função matemática associada às propriedades físicas de uma dada partícula ou
sistema formado por um conjunto delas. Segundo a Mecância Quântica, o estado de
uma partícula, antes de se fazer uma medida, é representado por uma superposição
de todas as situações possíveis. Apenas após a medição é que algum dentre os
possíveis valores de uma dada grandeza física se manifesta. É dito, então, que
a função de onda colapsou para o estado representado pelo valor da grandeza
medida. A partir daí, dependendo da propriedade física, se não houverem
interferências externas, a partícula se caracterizará por possuir o mesmo valor
que foi medido para a tal propriedade. Aqui, como no caso da dualidade
onda-partícula, o observador tem um papel decisivo na caracterização das
propriedades das partículas.
Um outro fenômeno que foi constatado
experimentalmente é o chamado fenômeno de não-localidade. Num arranjo
experimental conhecido como “experiência de Einstein-Podolsky-Rosen”
verificou-se ser possível o envio de uma informação de modo instantâneo de um
ponto a outro do espaço. O salto quântico e o colapso da função de onda seriam,
também, exemplos de fenômenos não-locais.
Não é preciso citar outros exemplos
para percebermos que esses fenômenos que acontecem com as partículas da matéria
são completamente diferentes daquilo que vemos ao nível macroscópico. Esse
caráter estranho e misterioso que tais fenômenos apresentam têm levado alguns
irmãos nossos do movimento espírita a formularem extrapolações de ordem espiritualista
para explicá-los. Apesar da intenção nobre de verificar o acordo entre o
Espiritismo e os avanços da Ciência, tais estudos precisam ser feitos com um
rigor ainda maior do que aquele que caracteriza um trabalho usual de pesquisa
científica, pois a responsabilidade de divulgar uma idéia espírita ligada à
Ciência é muito grande. Imagine o leitor o que pensará um cientista ao ler
alguma interpretação errada de algum conceito científico. Poderemos afastar o
seu interesse no Espiritismo por causa de uma idéia ou colocação errada.
Desejamos comentar algo a respeito do
trabalho do Prof. Dr. Amit Goswami que propõe a chamada Filosofia Idealista
como solução para os paradoxos que apresentamos anteriormente. Segundo
Goswami[²] uma solução seria postular-se a existência de uma consciência maior
ou consciência cósmica que seria onipresente (para resolver o problema da
não-localidade) e estaria ligada a cada ser humano (para resolver o problema do
colapso da função de onda).
Esta proposta é interessante do ponto
de vista espiritualista e, ao nosso ver, se constitui na primeira proposta
espiritualista mais séria envolvendo questões de ordem científica. Note que
utilizamos a palavra espiritualista e não espírita. A razão para isso é que, em
nossa análise, apesar da proposta do Prof. Goswami introduzir a existência de
uma consciência que poderia ser considerada, em princípio, como o Criador, ela
não resolve o problema do Espírito. Segundo a sua proposta, a nossa consciência
individual não existiria de forma independente do corpo físico. Isso está em
franco desacordo com a Doutrina Espírita que afirma que somos a
“individualização do princípio inteligente”[³]
(questão 79 de O Livro dos Espíritos), e que o princípio inteligente independe
da matéria.
Como o Prof. Goswami foi um convidado
especial no MEDINESP 2003, é preciso reafirmar o alerta que fizemos na matéria
anterior[¹] de modo a orientar o leitor a receber as suas idéias e opiniões com
precaução. Faço minhas as palavras do espírito de Erasto (Revista Espírita [4]):
é preferível “rejeitar 10 verdades do que aceitar uma só mentira”(grifos
nossos).
Aproveitamos, ainda, esta oportunidade
para convidar o leitor amigo ao exercício da ponderação quando ler ou ouvir
dizer, mesmo dentro do movimento espírita, que disciplinas científicas como a
Física, a Química ou a Biologia estão provando as idéias espíritas. Devemos ter
cuidado com o material divulgado que leva o adjetivo de espírita. Mesmo as
pesquisas mais sérias, como é o caso da proposta do Prof. Goswami, não podem
ser tomadas como verdades resolvidas. Seria interessante consultar vários
profissionais da área de Física, Química ou Biologia antes de se dar crédito a
essa ou aquela proposta ou teoria. Seria de grande importância que os autores e
escritores que divulgam trabalhos espíritas nesses campos que publiquem a
explicação completa dos mecanismos de suas propostas. Isso nos ajuda a fazer
uma análise crítica de cada idéia. Uma afirmativa não tem valor científico só
porque está ligada a um tema científico. Mesmo autores que são profissionais em
Ciência devem ser questionados já que isso não é garantia de que suas idéias
são verdadeiras.
Ainda sobre os paradoxos da Mecânica
Quântica, vale lembrar que para a comunidade científica eles ainda não foram
completamente pesquisados e esclarecidos. A atitude mais prudente é esperar
pelo desenvolvimento dessas pesquisas de modo a termos mais certezas e
seguranças sobre o assunto.
Como físico, posso dizer que, apesar de
não conhecermos ainda os seus mecanismos mais profundos, os fenômenos
descobertos pela Física Moderna não estão em desacordo com os princípios
básicos da Doutrina Espírita. E o que considero, particularmente,
importantíssimo: eles (os fenômenos da Física Moderna) não sugerem que ela (a
Doutrina Espírita) precise ser atualizada.
Referências
[¹] A. F. da Fonseca, Jornal Alavanca
n. 485, p. 5, (2003) & Boletim Geae
Número
465 de 4 de Novembro de 2003.
[²] A. Goswami, O Universo
Autoconsciente, Editora Rosa dos Tempos, 4a. Edição (2001).
[³] A. Kardec, O Livro dos
Espíritos, FEB, 76a. Edição (1995).
[4] A. Kardec, Revista Espírita 8,
p.257, (1861).
Department of
Chemistry, Rutgers, The State University of New Jersey, Piscataway, New Jersey,
08854-8087, USA
Instituto de Física da Universidade de
São Paulo, São Paulo, S.P.
(Publicado no Boletim GEAE Número 465
de 4 de novembro de 2003)”
ENDEREÇO ELETRÔNICO
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