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Fábio José Lourenço Bezerra
Dando continuidade ao nosso texto anterior “Quem é Jesus?”, neste blog, nos perguntamos: Qual a verdadeira natureza de Jesus? Será ele o próprio Deus, que encarnou na Terra há cerca de dois mil e doze anos atrás, conforme determinadas denominações religiosas ensinam?
Vejamos o que escreveu Allan Kardec sobre o assunto, no livro “Obras Póstumas”:
“Dirigindo-se a alguns dos seus discípulos que disputavam para saber qual dentre eles era o maior, disse-lhes ele, chamando para junto de si uma criança:
‘Quem quer que me receba, recebe aquele que me enviou, porquanto aquele que for o menor entre todos vós será o maior de todos.’ (S.Lucas, 9:48.)
‘Quem quer que receba em meu nome a uma criancinha como esta, a mim me recebe; e aquele que me recebe não recebe a mim, mas recebe aquele que me enviou.’ (São Marcos, 9:37.)
‘Jesus lhes disse então: Se Deus fosse vosso Pai, vós me amaríeis, porque foi de Deus que saí e foi de sua parte que vim; pois, não vim de mim mesmo, foi ele que me enviou’ (S.João, 8:42.)
‘Jesus então lhes disse: Ainda estou convosco por um pouco tempo e vou em seguida para aquele que me enviou.’(S.João, 7:33.)
‘Aquele que vos ouve a mim me ouve; aquele que vos despreza a mim me despreza; e aquele que me despreza, despreza aquele que me enviou.’(S.Lucas, 10:16.)
O dogma da divindade de Jesus se baseou na igualdade absoluta entre a sua pessoa e Deus, pois que ele próprio é Deus. É este um artigo de fé. Ora, estas palavras, que Jesus tantas vezes repetiu: Aquele que me enviou, não só comprovam uma dualidade de pessoas, mas também, como já o dissemos, excluem a igualdade absoluta entre elas, porquanto aquele que é enviado necessariamente está subordinado ao que envia. Com o obedecer, aquele pratica um ato de submissão. Um embaixador, falando do seu soberano, dirá: Meu senhor, aquele que me envias; mas, se quem vem é o soberano em pessoa, falará em seu próprio nome e não dirá: Aquele que me enviou, visto que ele não pode enviar-se a si mesmo. Jesus o disse em termos categóricos: Não vim de mim mesmo; foi ele quem me enviou.
Estas palavras: Aquele que me despreza, despreza aquele que me enviou, não implicam absolutamente a igualdade, nem ainda menos, a identidade. Em todos os tempos, o insulto a um embaixador foi considerado como feito ao próprio soberano. Os apóstolos tinham a palavra de Jesus, como este a de Deus. Quando lhes ele diz: Aquele que vos ouve a mim me ouve, certamente não queria dizer que seus apóstolos e ele fossem uma só e a mesma pessoa, igual em todas as coisas.
A dualidade das pessoas, assim como o estado secundário e de subordinação de Jesus com relação a Deus, ressaltam, ao demais, sem equívoco possível, das seguintes passagens:
‘Fostes vós que permanecestes sempre firmes comigo nas minhas tentações. – eis por que vos preparo o reino, como meu Pai mo preparou, a fim de que comais e bebais à minha mesa no meu reino e que estejais sentados em tronos, para julgar as doze tribos de Israel.’(S.Lucas, 22:28 a 30.)
‘De mim digo o que vi junto de meu Pai; e vós, vós fazeis o que ouvistes de vosso pai.’ (S.João, 8:38)
“[...] ‘Ora, eu vos declaro que aquele que me confessar e me reconhecer perante os homens, o filho do homem também o reconhecerá perante os anjos de Deus; - mas, se algum me repudiar perante os homens, eu também o repudiarei perante os anjos de Deus.’(S.Lucas, 12:8 e 9.)
‘Pois, se alguém se envergonhar de mim e das minhas palavras, desse também se envergonhará o Filho do homem, quando estiver na sua glória e na de seu Pai e dos santos anjos.’(S.Lucas, 9:26.)
Nestas duas últimas passagens parece mesmo que Jesus coloca acima de si os santos anjos componentes do tribunal celeste, perante o qual seria ele o defensor dos bons e acusador dos maus.
‘Mas, pelo que respeita a vos sentardes à minha direita ou à minha esquerda, não me compete a mim vo-lo conceder; isso será para aqueles a quem meu Pai o tenha preparado.’
“[...] ‘Aproxima-se então um mancebo e lhe diz: Bom Mestre, que bem devo fazer para alcançar a vida eterna? Jesus lhe respondeu: Por que me chamas bom? Não há senão somente Deus que é bom. Se queres entrar na vida, guarda os mandamentos.’
Não só Jesus não se deu, em nenhuma circunstância, por igual a Deus, como, nesse passo, afirma positivamente o contrário: considera-se inferior a Deus em bondade. Ora, declarar que Deus lhe está acima, pelo poder e pelas qualidades morais, é dizer que ele não é Deus. As passagens que seguem apóiam as que citamos e também são bastante explícitas.
‘Não tenho falado por mim mesmo; meu Pai, que me enviou, foi quem me prescreveu, por mandamento seu, o que devo dizer e como devo falar; - e sei que o seu mandamento é a vida eterna; o que, pois, eu digo é segundo o que meu Pai me ordenou que o diga.’(S.João, 12:49 e 50)
‘Jesus lhes respondeu: Minha doutrina não é minha, mas daquele que me enviou. – Aquele que quiser fazer a vontade de Deus reconhecerá se a minha doutrina é dele, ou se falo por mim mesmo. – Aquele que fala por impulso próprio procura a sua própria glória, mas o que procura a glória daquele que o enviou é veraz, não há nele injustiça.’
“[...] ‘Jesus então lhes disse: Quando houverdes elevado ao alto o Filho do homem, conhecereis o que eu sou, porquanto nada faço de mim mesmo; mas, digo o que meu Pai me ensinou; e aquele que me enviou está comigo e não me deixou só, porque faço sempre o que lhe é agradável.’(S.João, 8:28 e 29.)
“[...] Desde que ele nada diz de si mesmo; que a doutrina que prega não é sua, que ela lhe veio de Deus, que lhe ordenou viesse dá-la a conhecer; que não faz senão o que Deus lhe deu o poder de fazer; que a verdade que ensina ele a aprendeu de Deus, a cuja vontade se acha sujeito, é que ele não é Deus, mas, apenas, seu enviado, seu messias e seu subordinado.
Fora-lhe impossível recusar, de maneira mais positiva, qualquer assimilação sua a Deus, nem determinar o seu papel principal em termos mais precisos. Não há nos trechos acima pensamentos ocultos sob o véu da alegoria, que só à força de interpretações se possam descobrir. São pensamentos expressos em seu sentido próprio, sem ambigüidade.
Se objetarem que Deus, por não ter querido dar-se a conhecer na pessoa de Jesus, provocou uma ilusão acerca da sua individualidade, poder-se-ia perguntar em que se funda semelhante opinião, quem tem autoridade para lhe sondar o fundo do pensamento e para lhe dar às palavras um sentido contrário ao que elas exprimem. Pois que, em vida de Jesus, ninguém o considerava como sendo Deus; que todos, ao contrário, o consideravam um messias, se ele não quisesse que o conhecessem qual era, bastar-lhe-ia nada dizer. Das suas afirmações espontâneas, deve-se concluir que ele não era Deus, ou que, se o era, voluntariamente e sem utilidade, fez uma afirmação falsa.
“[...] As passagens que vamos transcrever poderiam deixar alguma dúvida e dar ensejo a crer-se numa identidade de Deus com a pessoa de Jesus; mas, além de que não poderiam prevalecer contra os termos precisos das que precedem, trazem consigo a devida retificação.
‘Perguntaram-lhe: Quem és tu então? Jesus lhes respondeu: Sou o princípio de todas as coisas, eu que vos falo – Tenho muitas coisas a dizer-vos; mas, aquele que me enviou é verdadeiro e eu não digo senão o que dele aprendi’(S.João, 8:25 e 26.)
‘O que meu Pai me deu é maior do que todas as coisas e ninguém o pode arrebatar das mãos de meu Pai. Meu Pai e eu somos um.’(S.João, 10:29 e 30.)
Quer isto dizer que seu Pai e ele são um pelo pensamento, pois que ele exprime o pensamento de Deus, pois que tem a palavra de Deus.
Então, os judeus tomaram de pedras para lapidá-lo. – Jesus lhes disse: Muitas obras boas tenho feito diante de vós, pelo poder de meu Pai. Por qual delas quereis lapidar-me? – Os judeus lhe responderam: Não é por nenhuma boa obra que te lapidamos; mas por causa da tua blasfêmia, porque, sendo homem, tu te fazes Deus. – Jesus lhes replicou: Não está escrito na vossa lei: Tenho dito que sois Deuses? – Ora, se ela chama deuses àqueles a quem a palavra de Deus era dirigida e não podendo a escritura ser destruída, como dizeis que blasfemo, eu a quem meu Pai santificou e enviou ao mundo, porque disse que sou filho de Deus? – Se não faço as obras de meu Pai, não me creiais; se, porém, as faço, quando não queirais crer em mim, crede nas minhas obras, a fim de saberdes e crerdes que meu Pai está em mim e eu nele.’ (S.João, 10:31 a 38)
Noutro capítulo, dirigindo-se a seus discípulos, diz:
‘Nesse dia, reconhecereis que estou em meu Pai e vós em mim e eu em vós. (S.João, 14:20.)’
Destas palavras, não há concluir-se que Deus e Jesus são uma única entidade, pois, de outro modo, também se teria de concluir, das mesmas palavras, que os apóstolos e Deus eram um.”
Na realidade, a decisão de que Jesus é Deus, pela Igreja, aconteceu no Concílio de Nicéia, em Junho de 325 d.C.. O imperador Romano Constantino resolveu influenciar a doutrina cristã. Na intenção de promover a unidade da igreja, que se encontrava dividida, ele resolveu convocar este concílio. Era a primeira vez em que um governante secular imiscuía-se nos assuntos da Igreja.
O ponto central das divergências era se Jesus foi criado e, dessa forma, ser passível de mudanças como nós, seres humanos. Os Arianos (seguidores de Ário) defendiam que a salvação poderia ser alcançada se nos tornássemos como ele (idéia essa, diga-se de passagem, semelhante à do Espiritismo). No caso de não ter sido criado e, portanto, sido gerado do próprio Deus, seria totalmente distinto da criação, como queriam os ortodoxos. Na intenção de afastar qualquer possibilidade de semelhança entre Jesus e a criação, os ortodoxos o colocaram muito acima dos homens, o que os forçou a negar sua humanidade. Ignorando ou negando as passagens que sugeriam as limitações humanas de Jesus, adulteraram os Evangelhos, adaptando-os a essa nova teologia (sobre estas adulterações, ver o texto anterior “Quem é Jesus?”, neste blog).
Ário, juntamente com seus seguidores, inutilmente, tentaram demonstrar que Jesus era um ser criado, assim como a humanidade, como podemos amplamente verificar nas passagens do Evangelho, acima, analisadas por Kardec.
O concílio durou dois meses, estando sempre presente nele o Imperador Constantino, que participava ativamente do mesmo, escutando as opiniões e participando dos debates. Até que Hosius, Bispo de Córdoba, deu a sugestão de estabelecer-se um credo com a concordância de todos. Então os bispos adaptaram um credo que já existia. Foi elaborado com todo o cuidado para identificar o Filho de Deus como o Pai, excluindo-o da criação. Eis o credo:
Creio em um só Deus, o Padre Onipotente, Criador do céu e da terra e de todas as coisas visíveis e invisíveis e em um só Jesus Cristo Senhor Nosso; Filho de Deus unigênito, e nascido do Pai, Deus de Deus, Luz de Luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro. Gerado, não feito da mesma substância como o Pai e pelo qual foram feitas todas as coisas... – Que encarnou e foi feito homem...
Ário, e apenas dois bispos, não quiseram assinar o credo. Constantino tratou de baní-los do Império. Os demais bispos celebraram sua união em uma grande festa no palácio imperial. Em uma carta de Constantino a Ário e a Alexandre, constam as seguintes palavras: “Foi errado, desde o início, propor questões como estas, ou responder-lhes quando foram propostas.”
Constantino proclamou um édito contra os “hereges”, e os chamava de “inimigos e opositores da verdade e da vida, unidos para a destruição”. Proibia suas reuniões em qualquer lugar, até mesmo nas suas casas. Proibiu igualmente que utilizassem qualquer local para o que ele chamava de “reuniões supersticiosas”, inclusive casas de oração. Estas casas eram transferidas para a Igreja ortodoxa. Caso fosse encontrada, escondida com alguém, uma obra de Ário, essa pessoa era submetida à pena de morte.
Para o estudioso George Leonard Prestige, o Credo de Nicéia decreve Jesus como não tendo nenhuma semelhança com as criaturas de Deus.
Muitos estudiosos da Bíblia atuais acham que Jesus nunca afirmou ser o único Filho de Deus. Provavelmente, esta idéia surgiu depois, através de uma má interpretação do Evangelho de João.
Como vimos acima, Jesus tornou-se Deus, na doutrina da Igreja, através de uma decisão puramente humana, baseada em falsas idéias, nascidas de mentalidades medievais, e por motivos políticos, sendo apoiada através de extrema violência. Para isso, passou-se por cima do legado do próprio Jesus: suas palavras.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:
1 KARDEC, Allan. Obras póstumas. Rio de Janeiro. FEB [1987];
2 PROPHET, Elizabeth Clare e PROPHET, Erin L.Reencarnação: o elo perdido do cristianismo. Rio de janeiro: Editora Nova Era, 2003;
3 EHRMAN, Bart D. Evangelhos Perdidos. Rio de janeiro: Editora Record, 2008;
4 EHRMAN, Bart D.O Que Jesus Disse? O Que Jesus Não Disse?: quem mudou a Bíblia e porque. São Paulo: Editora Prestígio, 2006;
5______________.Quem Jesus Foi? Quem Jesus Não Foi? : mais revelações inéditas sobre as contradições da Bíblia. Rio de Janeiro: Ediouro, 2010;
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