terça-feira, 27 de dezembro de 2016

A CONTRIBUIÇÃO ESPÍRITA NO DEBATE DA ESCOLA PÚBLICA NO BRASIL

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Dora Incontri

A participação histórica do espiritismo no Brasil tem sido desconsiderada em estudos acadêmicos, apesar de já estarem catalogadas na Capes pelo menos 35 dissertações e teses, que fazem alguma referência ao espiritismo entre nós. São estudos, porém, que permanecem desconhecidos e sem divulgação entre os pesquisadores. Trata-se por isso de uma necessidade de resgate histórico promover a descoberta dessa porção ativa da sociedade brasileira, suas raízes ideológicas e seus posicionamentos sociais e políticos.

No campo da educação, minha tese de doutorado na Universidade de São Paulo se ocupou em mostrar as longínquas raízes do pensamento pedagógico espírita (desde Sócrates e Platão, passando por Comenius, Rousseau e Pestalozzi) e, ao mesmo tempo, o desenvolvimento desse pensamento no Brasil e sua interação com nossa cultura.i Nesse ponto, o engajamento dos espíritas na defesa da escola pública foi um dos temas analisados rapidamente, já que se tratava de fornecer um panorama geral da história, da filosofia e da prática da pedagogia espírita. Aqui porém, farei uma revisão do assunto, indicando alguns pontos nevrálgicos que podem ser mais desenvolvidos em futuras pesquisas.

Os antecedentes históricos

Em 1828, com apenas 24 anos, Hippolyte Léon Denizard Rivail (futuramente Allan Kardec), assinando suas obras como discípulo de Pestalozzi, escreve um texto que ainda hoje mantém aspectos interessantes: Plano proposto para a melhoria da educação pública. Seguindo a inspiração pestalozziana, Rivail desenvolve duas idéias básicas: a proposta de uma educação integral e a necessidade de se fazer uma ciência pedagógica, enfatizando a formação do professor, embora também alerte para o fato de que a educação transcende o conhecimento científico, sendo uma arte e uma vocação. Dizia ele que “a meta da educação consiste no desenvolvimento simultâneo das faculdades morais, físicas e intelectuais” (RIVAIL, 1997:15) E que: “os meios para se educar a juventude são uma ciência bem distinta que se deveria estudar para ser educador” (RIVAIL, 1997:13).
Assim, inaugurava Rivail, muito antes de se dedicar ao estudo dos fenômenos chamados espíritas, uma linha de procedimento que os adeptos do espiritismo seguiriam depois, que aliás descende diretamente de Comenius e Pestalozzi. Poderíamos resumir essa proposta no seguinte: trata-se de defender a escola pública como um cenário possível para a realização de uma educação que lide com todas as dimensões humanas – e não apenas a cognitiva. Um cenário de experimentação e de formação. Mesmo pública, a educação não poderia ser apenas instrução.

Deveria ser educação dos sentimentos, do intelecto e da ação (como queria Pestalozzi, educação do coração, da cabeça e das mãos). Mesmo pública, os professores deveriam ser altamente preparados e conscientes de sua missão social e humana. Só usamos a palavra restritiva mesmo pública, a partir da realidade da escola pública que conhecemos hoje, onde nem o aspecto parcial da cognição é atingido satisfatoriamente. Pois a escola que vemos está muito longe de como a idealizava Comenius:

“Toda escola pública deve se tornar: 1) uma casa pública de saúde, onde os alunos aprenderão a viver em boa saúde; 2) um parque público, onde treinarão sua agilidade e vigor, que será útil para a toda a vida; 3) a casa das luzes, onde suas mentes se iluminarão com a luz do conhecimento; 4) a casa da oratória, onde todos aprenderão o uso da linguagem e das palavras; 5) um lugar de trabalho, onde ninguém viverá (e nem depois na vida) como os grilos do campo, desperdiçando o tempo em cantilenas, mas como formigas sempre operosas; 6) uma oficina da virtude, em que todos os membros da escola aprenderão as virtudes mais refinadas; 7) a imagem da vida civil, onde todos aprenderão a serem governados e a governar por sua vez, como num Estado em miniatura, e assim aprendendo desde a infância a governar as coisas, a si mesmos e aos outros; 8) e finalmente uma representação de Igreja, onde (…) aprenderão a sabedoria sobre Deus e a reverência pelo divino. Assim, deverão diariamente (…) ser ensinados na fé e iniciados em diferentes doutrinas religiosas. E afinal, devo mencionar os exercícios, pois em todas as escolas públicas, tudo deve estar vivo por exemplos e práticas, pois é o caminho mais curto e eficiente para a aprendizagem.” (COMENIUS, 1965:125)

Como se vê, para Comenius, todos os aspectos do homem deveriam ser trabalhados na educação pública, inclusive o religioso (de forma ecumênica) e o político (de forma participativa), com métodos sempre ativos.

Foi exatamente nesse parâmetro de raciocínio, que nasceu a escola laica, obrigatória e gratuita. A laicidade era uma forma de oposição ao predomínio católico na educação, mas não significava desprezo pela dimensão moral e espiritual do ser humano. Pestalozzi, por exemplo, realizava no Instituto de Yverdon uma educação pluralista (completamente inédita na época), mas sem perda desses aspectos.

Ora, uma informação no mínimo curiosa, mas nem um pouco surpreendente para quem está seguindo esse fio da história é que o movimento iniciado na França em prol da escola pública foi feito predominantemente por espíritas. É um pesquisador francês que nos informa:

“A Liga parisiense de Ensino foi fundada por seis militantes laicos: Jean Macé, Camille Flamarion, Emmanuel Vauchez, Alexandre Delanne, Pierre-Gaëtan Leymarie e André Vautier. Ora, fora Jean Macé, todos são espíritas, e a própria associação tem sua sede no domicílio de Leymarie, sucessor de Kardec (…). Assim, os pioneiros do que vai se tornar em 1881 a Liga Francesa de Ensino, são em sua maioria espíritas, que com a sua própria doutrina, lutam pela instrução gratuita, laica e obrigatória.” (AUBRÉE & LAPLANTINE, 1990: 75)ii

Essa militância, como Laplantine percebeu, não é fruto de uma conjunção aleatória de pontos de vista afins. A idéia da educação está visceralmente ligada ao espiritismo. Fundado por um educador, herdeiro das visões pedagógicas de Rousseau e Pestalozzi, o projeto espírita não é uma proposta salvacionista. A idéia da reencarnação enfatiza a autonomia humana, no processo permanente de evolução – leia-se auto-educação – e a responsabilidade individual ante o progresso coletivo, que implica em mudanças sociais e reformas educacionais. Assim, “a educação está no centro do espiritismo” (AUBRÉE & LAPLANTINE, 1990: 79)

A gratuidade e a obrigatoriedade são necessariamente componentes de qualquer idéia que pretenda contribuir para a evolução social, através da promoção cultural, política e econômica das classes populares. Pois somente através do acesso irrestrito à educação é que os indivíduos e as classes, as comunidades e os povos poderão de fato participar na gestão do próprio destino.

Esse discurso, de conotação claramente iluminista – mas que, como vimos remonta a Comenius, o educador universalista, pacificista e ecumênico do século XVII – encontra uma especificidade inédita no espiritismo – que é o de estender a idéia não apenas a toda a humanidade, mas projetá-la no tempo, pela transcendência dos indivíduos que vão e vem ao cenário da vida, atravavés da reencarnação.

Outra característica toda própria desse discurso, apesar de já se encontrar ela presente em Rousseau e Pestalozzi, é o de considerar a transcendência humana, ou seja, a dimensão espiritual do ser, como um terreno de encontro de várias doutrinas e religiões. Dessa forma, trata-se de um espiritualismo assumido, que não se pretende um proselitismo particularista. Como veremos, isso se manifesta numa pedagogia que leva em consideração o aspecto religioso do homem e das culturas, mas não se faz confessional e doutrinante, dogmática e proselitista.

Há ainda que se ressaltar o caráter igualitário de tal vertente, em primeiro lugar, manifestado no próprio impulso de lutar pelo acesso de todos à educação. Em segundo, promovendo a educação feminina, de forma bastante precoce historicamente. Rivail, já nas primeiras décadas do século XIX, debate o problema da educação da mulher e engaja-se praticamente nessa campanha, coadjuvado por sua esposa Amélie Boudet, igualmente educadora. Mais tarde, Kardec, adotará em nome do espiritismo, a reivindicação pelo voto feminino e por participação das mulheres em atividades antes adstritas aos homens. Na Revista Espírita, ele saúda qualquer notícia da época que mostre avanço da luta feminina por maior espaço de atuação social.

Da mesma forma, o combate a qualquer forma de discriminação racial e religiosa também já está presente desde o primeiro Rivail, encontrando fortes reflexos no Brasil.iii

Os educadores espíritas brasileiros

Ao longo do século XX, iniciando-se na primeira década, com o marco histórico da fundação do primeiro colégio espírita do Brasil – Colégio Allan Kardec – pelo educador mineiro Eurípedes Barsanulfo (1880-1918) e alcançando a dobra do século XXI, diversas propostas foram teorizadas e postas em prática, envolvendo a relação educação/espiritismo.

Algumas tomadas de posição mais significativas diante dos problemas fundamentais com que nos defrontamos historicamente, podem fornecer um quadro aproximado do papel do espiritismo em nossa sociedade.

Em primeiro lugar, é preciso considerar que existem claramente duas tendências no movimento espírita brasileiro: a mais popular, que se tornou massa crítica nas últimas décadas, sob influência da liderança de Chico Xavier, praticada na maior parte dos centros espíritas e nas obras sociais que levam o rótulo de espírita, tem um perfil politicamente conservador e socialmente assistencialista. Realizando quase um sincretismo com a herança católica, essa tendência é criticada pela outra face do espiritismo brasileiro, representada entre outros pelo jornalista e filósofo J. Herculano Pires:

“O católico, o protestante, o espírita se esquivalem neste sentido, todos buscam o caminho do espírito para soluções de questões imediatistas ou para garantirem a si mesmos uma situação melhor depois da morte. A maioria absoluta dos espiritualistas está sempre disposta a investir (esse é o termo exato) em obras assistenciais, mas revela o maior desinteresse pelas obras culturais. Apegam-se os religiosos de todos os matizes à tábua da salvação da caridade material…” (PIRES, 1975)

A outra tendência está mais enraizada na tradição francesa, aquela mesma do século de Kardec, em que espíritas militavam socialmente, em sintonia com as doutrinas mais progressistas da época. É nessa vertente que se inserem os educadores que se empenharam por propostas de fato alternativas de educação. É claro que a dialética não nos aconselha a enxergar os fatos de forma maniqueísta e as contradições fazem parte da natureza das coisas. Os assistencialistas também praticam educação. Às vezes não exatamente da maneira como gostariam os que estão mais à esquerda do movimento. Mas, às vezes, também se inspirando propriamente nestes. E estes, por outro lado, nem sempre conseguiram levar à praxis aquilo que idealizaram.

Aqui, propomos rastrear rapidamente algumas posições dos que se põe na vanguarda.

Diante do conflito escola privada versus escola pública, os espíritas (e aí se incluem todos) têm adotado duas posturas predominantes: lutam sempre que possível e necessário pela escola pública e fundam escolas próprias, mas em geral gratuitas, ou pelo menos, majoritariamente gratuitas. Raras escolas destas são confessionais, no sentido tradicional do termo, com aulas obrigatórias de espiritismo. A tendência mais forte, mesmo entre os conservadores, é assumir uma posição de respeito à pluralidade religiosa. A pluralidade étnica e a integração da mulher também se inserem neste contexto.

Um exemplo antigo dessa postura está em Anália Franco (1853-1919), espírita, feminista, abolicionista e republicana. Tendo fundado mais de 100 lares para abrigar crianças carentes, dando abrigo, educação e profissionalização aos alunos e às suas mães (muitas delas, mães solteiras, que só teriam a alternativa da prostituição), Anália foi elogiada pelo seu pluralismo, pelo senador Paulo Egídio, em 1903:

“Em um espaço inferior a um ano, esta senhora e a Associação que ela dirige fundaram no Estado e na capital e n’algumas cidades do interior 25 escolas e há 4 meses mais ou menos, essas 25 escolas tinham uma população escolar de 1000 crianças de ambos os sexos, de todas as origens e procedências. Ali estão juntos o turco, o judeu, o maometano, o católico, o cristão e o calvinista.” (Apud MONTEIRO, 1192:80)

Anália representa também outras características do engajamento educacional espírita:

logo após a lei de ventre livre, dedica-se a educar as crianças negras, que eram marginalizadas nas fazendas; depois, com grande escândalo social, promove a inserção das mulheres no mercado de trabalho, pregando a autonomia feminina, entre as mulheres que eram consideradas caídas, pelas rígidas convenções do período.

Seu contemporâneo, Eurípedes Barsanulfo, em pleno coração da católica e conservadora Minas Gerais, ao fundar seu Colégio Allan Kardec, também demonstra tais princípios, fazendo classes mistas e incluindo negros entre os professores e os alunos.

Outro exemplo é o do professor curitibano Ney Lobo (1919-) que, embora diretor de uma instituição mantida na época (décadas de 60 e 70) pela Federação Espírita do Paraná, propôs um estudo de religiões comparadas entre os alunos, devendo cada qual expor as idéias de sua própria religião. No caso de Ney Lobo, já em outro contexto político, destaca-se o fato de que, sendo ele militar, em plena ditadura, realiza uma educação para a democracia, criando a cidademirim, em que as crianças elegiam seus prefeitos.iv

A campanha pela defesa da escola pública

Muitos espíritas adotaram assim a postura de lançar-se às obras educacionais, sem esperar a ajuda do Estado, mas sem abandonar o princípio da gratuidade. Arranjaram soluções alternativas para a sustentação de suas escolas: Anália teve o apoio da Maçonaria e fez um grupo de música e teatro ambulante, com os alunos e alunas mais velhos, rodando o interior paulista, em busca de recursos. Eurípedes trabalhou com voluntariado. Tomás Novelino (1901- 2000), discípulo de ambos, fundou uma fábrica de sapatos, em Franca, cuja renda era toda destinada à manutenção de três escolas da Fundação Pestalozzi. Conseguiu com isso, relativa estabilidade financeira durante 50 anos, chegando a atender mais de 2000 crianças, com escola e alimentação.

Na década de 60, porém, quando se discutia no Brasil a problemática da escola pública, J. Herculano Pires (militante ardoroso da pedagogia espírita), retomando a tradição daqueles que fundaram a Liga de Ensino, na França, lidera uma campanha no meio espírita, apoiando a campanha nacional pela escola laica, gratuita e obrigatória.

No virar da década de 50 a 60, o Brasil estava tomado pelos debates acirrados entre aqueles que defendiam a escola pública laica, obrigatória e gratuita e aqueles que, em nome da liberdade de ensino, queriam mais amplos privilégios para as escolas particulares e confessionais. Desde 1948, estava em discussão a Lei de Diretrizes e Bases da Educação e já tramitava no congresso a proposta inspirada em O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, (1932), quando um substitutivo apresentado por Carlos Lacerda veio provocar tremendas polêmicas em todo o país. Este substitutivo era acusado de favorecer o ensino particular em detrimento da escola pública e de conferir maior poder à Igreja Católica. Assim rezava um trecho do Manifesto em Defesa da Democratização Escolar, feito pelo Clube de Jornalistas Espíritas, (presidido por Herculano), e enviado ao Senado, depois da aprovação na Câmara do projeto combatido por grande parte dos educadores de renome no Brasil:
“Os princípios confusionistas do projeto aprovado, que mistificam o problema do ensino, misturando deveres do Estado, com interesses particulares, em evidente benefício de interesses confessionais — ainda mais nocivos do que aqueles, por implicarem coação de consciência — são simples resíduos do obscurantismo medieval.” (PIRES, 1961)v

Apesar da intensa Campanha, deflagrada em todo o país, de que os espíritas também tomaram parte, principalmente pela pena combativa de Herculano, a Lei aprovada trazia traços que favoreciam a iniciativa privada, conforme crítica de Anísio Teixeira: “As tendências que vão ser fortalecidas pela nova Lei serão as do desinteresse do poder público pela educação, do fortalecimento da iniciativa privada, da preferência pela educação ‘de classe’, da expansão da educação para os já educados…” (TEIXEIRA, 1999:270)

Herculano insiste. O Clube de Jornalistas Espíritas havia lançado, em 1960, a Associação Espírita de Defesa da Escola Pública. Em 62, envia um manifesto a todos os associados e à imprensa espírita e não-espírita, conclamando todos à resistência e à vigilância para que a escola pudesse ser um local de liberdade de consciência. Entre as metas propostas neste novo manifesto, lêem-se os seguintes itens:
“Luta incessante contra o ensino religioso nas escolas, por constituir instrumento de coação das maiorias religiosas contra as minorias, o elemento de condicionamento das consciências, conseqüentemente, de deformação do ensino e da educação; luta incessante contra as discriminações raciais, de cor, ideológicas e religiosas, nos estabelecimentos de ensino públicos e particulares, com denúncia e ação judicial nos casos concretos.” (PIRES, 1962).

Alguns anos mais tarde, Herculano defenderia uma posição, aparentemente em contradição com esse Manifesto:

“…não podemos ter Educação sem Religião, o sonho da Educação Laica não passou de resposta aos grandes equívocos do passado (…). O laicismo foi apenas um elemento histórico, inegavelmente necessário, mas que agora tem de ser substituído por um novo elemento. E qual seria essa novidade? Não, certamente, o restabelecimento das formas arcaicas e anacrônicas do ensino religioso sectário nas escolas. Isso seria um retrocesso e portanto uma negação de todas as grandes conquistas (…).
Reconhecendo que a Religião corresponde a uma exigência natural da condição humana e a uma exigência da consciência humana, e que pertence de maneira irrevogável ao campo do Conhecimento, devemos reconduzi-la à escola, mas desprovida da roupagem imprópria do sectarismo. Temos de introduzir nos currículos escolares, em todos os graus de ensino, a disciplina Religião ao lado da Ciência e da Filosofia.

Sua necessidade é inegável, pois sem atender aos reclamos do transcendente no homem não atingiremos os objetivos da paidéia grega: a educação completa do ser para o desenvolvimento integral e harmonioso de todas as suas possibilidades.” (PIRES, 1985: 41)

A contradição é apenas aparente. Num momento histórico em que se corria o risco de a escola recair novamente no domínio da confessionalidade majoritária, Herculano alinha-se entre os progressistas, em prol dos interesses da população brasileira, que não tivera acesso à educação, e em nome da liberdade de consciência, princípio máximo que o Espiritismo adota como linha de ação. Entretanto, quando propõe a pedagogia espírita como contribuição à mesma educação brasileira, alerta para a necessidade de recuperarmos a dimensão espiritual no homem num projeto pedagógico que possa realizá-lo integralmente. A sua atitude anterior de luta contra a imposição confessional revela que a atitude posterior de tomar a religiosidade de um ponto de vista mais amplo não tem uma intenção encoberta de homogeneizar a fé. O processo de recuperar a dimensão espiritual do homem para a educação deve ser preservado de qualquer dominação confessional, garantindo-se a liberdade de pensamento de professores e alunos. Assim, reencontra Herculano os pioneiros, a que se refe Laplantine. Exatamente nessa perspectiva começou o embrião da escola laica.

i Ver INCONTRI, Dora. Pedagogia Espírita: um projeto brasileiro e suas raízes histórico-filosóficas.
(tese de Doutorado) São Paulo, FEUSP, 2001. ii Laplantine indica também ligações de espíritas com movimentos operários, socialistas, anarquistas – de várias nuanças da esquerda da época. Assim como houve no Brasil e nos países latino-americanos inúmeros espíritas, como Herculano Pires, Humberto Mariotti, Manuel Porteiro e outros, que entendiam o espiritismo como proposta de transformação social, usando inclusive o instrumento da dialética (embora evidentemente não materialista) para fazer a leitura crítica da realidade. Isso tudo é importante para fazer balançar a idéia comumente aceita de que o espiritismo é uma doutrina conservadora. Muitas vezes, o movimento espírita assim se manifesta pelo caldo cultural em que criou raízes no Brasil, mas não pela própria essência da doutrina de Kardec. iii Esse igualitarismo encontra respaldo na doutrina da reencarnação. Podendo o espírito reencarnar-se ora homem, ora mulher, ora negro, ora branco, inserido em qualquer cultura, a essência humana não muda e não há diferenças intransponíveis entre as condições étnicas, sexuais ou culturais. Nem sempre a idéia da reencarnação é usada de forma semelhante. Basta lembrar as castas na Índia ou mesmo o conservadorismo social que certos espíritas que tendem a reforçar desigualdades pela justificativa da lei do carma. Mas isso não pertence intrinsecamente à idéia espírita e nem mesmo à idéia da trnasmigração das almas. O primeiro igualitário a se basear na reencarnação foi Pitágoras. Platão, também reencarnacionista, assume uma atitude contraditória: ao mesmo tempo em que reconhece por exemplo a capacidade da mulher em ser guerreira ou filósofa em sua República, propõe uma sociedade hierarquizada. iv

Essa experiência de Ney Lobo, no Instituo Lins de Vasconcellos, também foi analisada em minha tese, revelando seus aspectos inovadores.v  Villalobos confirma que “foi em São Paulo, em campanha que abrangeu todo o Estado e que de lá foi levada a outros pontos do país, que se organizou a resistência sistemática, incansável, ao projeto, e de onde partiram as maiores pressões no sentido de modificá-lo, pressões que quase lograram equilibrar — outro fato inédito — as que procediam de opositores de há muito organizados e muito mais poderosos. Professores de todos os níveis, estudantes, escritores, jornalistas, operários, representantes das minorias religiosas, homens de diferentes camadas sociais e graus de cultura, muitas vezes distantes em suas convicções morais e políticas, uniram-se ao movimento, meses a fio, quase dois anos…” (VILLALOBOS, 1969:151)

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TEIXEIRA, Anísio. Educação no Brasil. Rio de Janeiro, Editora UFRJ, 1999.

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Acesse o site da Associação Brasileira de Pedagogia Espírita: 
http://www.pedagogiaespirita.org.br/

ENDEREÇO ELETRÔNICO CONSULTADO:

http://www.pampedia.com.br/abpe/Artigos%20site/_ABPE_siteArtigos%20Espi%CC%81ritas%20Escola%20pu%CC%81blica.pdf

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