Fonte da imagem: https://blogabpe.org/2018/01/06/a-palavra-dos-espiritos-e-o-argumento-de-autoridade/
Publicado
por Dora Incontri no site da Associação de Brasileira de Pedagogia Espírita
(ABPE) em 06 de Janeiro de 2018.
O que
caracterizava o pensamento medieval – o que significa dizer, um pensamento em
que a razão deveria ser submetida à fé – era o argumento de autoridade.
Autoridade da Bíblia, autoridade de Aristóteles, por exemplo. Muita gente não
sabe que vários absurdos científicos que eram aceitos na Idade Média não eram
apenas por conta da Bíblia, mas por conta de Aristóteles. Embora o
filósofo grego recomendasse a observação empírica da natureza, ele era citado
como fonte de autoridade filosófica e científica. Tomás de Aquino, que formulou
a maior síntese entre a visão de mundo cristã (leia-se católica) e Aristóteles,
o citava a torto e a direito, como autoridade. Então, por exemplo, toda a
polêmica em torno do geocentrismo ou heliocentrismo, tinha como fonte argumentativa,
a posição geocêntrica de Aristóteles…
O que significa um argumento
de autoridade? Significa que não é preciso demonstrar, observar, verificar,
comprovar, argumentar em relação a uma ideia, uma teoria… Basta simplesmente
dizer: porque está na Bíblia, porque Aristóteles disse, porque Kardec disse,
porque Chico Xavier disse, porque os Espíritos disseram…
Ora, essa postura diante do
conhecimento é medieval e pode ser entendida como uma das características do
pensamento fundamentalista. A razão se encolhe, tem que aderir cegamente, sem
necessidade da observação dos fatos. A concatenação argumentativa se torna
raquítica – e sobra a fé cega, a dogmatização de ideias empobrecidas, que se
tornam apenas narrativas inconsistentes.
Ora, o Espiritismo é, ou
deveria ser, o contrário de tudo isso. Toda a proposta de Kardec é baseada na
observação, na argumentação racional e na abertura para novas reformulações –
pois ele disse que onde a ciência demonstrasse que as teorias propostas por ele
estivessem erradas, o Espiritismo deveria se reformular diante das novas
descobertas e teorias (é bom reafirmar, científicas e baseadas na observação e
não qualquer novidade estapafúrdia)! Ou seja, Kardec já deixou o antídoto
contra o dogmatismo e contra o argumento de autoridade em seus próprios
escritos. Mas os espíritas não leram, ou não entenderam. Ou citam Kardec como
Tomás de Aquino citava Aristóteles ou querem abrir o Espiritismo para novas
reformulações, sem o menor critério científico e racional – então surgem as
práticas e ideias místicas, sem nenhum estudo ou referência. Poderia citar aqui
centenas delas – mas cada uma mereceria um artigo especial.
O mais grave: Kardec dessacralizou a revelação dos Espíritos,
chamando-os de meros colaboradores e não de reveladores
predestinados, (ver o capítulo Caracteres da Revelação
Espírita no livro A Gênese). Então,
mesmo diante daquilo que vem do Além, que sempre na humanidade foi considerado
intocável, sagrado – como a Bíblia, o Alcorão, só para citar duas fontes – para
Kardec, a nossa atitude tem que permanecer crítica, racional, questionadora.
Quando Kardec explica que os Espíritos são homens e mulheres desencarnados, que
podem guardar os mesmos preconceitos, os mesmos equívocos, as mesmas
idiossincracias que quando na terra, então, eles não podem mesmo ser
considerados como reveladores predestinados.
Quer dizer os Espíritos não
podem nos ensinar nada? Podem. Segundo Kardec, eles podem nos ensinar duas
coisas: dar informações sobre o mundo espiritual (mas isso deve ser referendado
por outros Espíritos, com as mesmas informações) e orientações morais, desde
que revelem as características de espíritos elevados – que são absolutamente
desconhecidas e desconsideradas no movimento espírita brasileiro. Só para citar
algumas dessas características: Espírito elevado tem linguagem simples,
objetiva, nobre, sem rebuscamentos excessivos e sem vulgaridades (isso já
elimina uma montanha de livros mediúnicos que correm em nossas bibliotecas
espíritas); Espírito elevado não traz teorias fantasiosas, elucubrações não
confiáveis, não demonstráveis, irracionais; Espírito elevado não faz ciência –
essa é uma responsabilidade nossa, ciência tem método, não pode ser fruto de
uma revelação; Espírito elevado não se mete em política e não dá palpite na
vida alheia…
Diante de tudo isso, quando
vamos defender uma ideia no movimento espírita, não podemos simplesmente usar
argumentos de autoridade, seja dos Espíritos, seja de Kardec, seja de qualquer
médium, por mais confiável que nos pareça.
O Espiritismo tem que andar alinhado
em diálogo com o conhecimento contemporâneo. Os espíritas devem usar argumentos
racionais, recorrer a evidências científicas, precisam manter uma linguagem
objetiva, clara, sólida, atualizada e não ficarmos nessa melosidade chiquista,
que não é nem um pouco kardecista… se me permitem a crítica.
Ser kardescista aliás é não
citar Kardec como argumento de autoridade, mas adotar seu método racional e de
observação, em diálogo com o mundo atual, prosseguir com o Espiritismo, como
uma ideia de emancipação e de vanguarda e não como um “pentateuco” bíblico e
dogmático.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:
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