Fonte da imagem: https://blogabpe.org/2017/10/03/kardec-213-anos-depois/
Publicado
por Dora Incontri no site da Associação Brasileira de Pedagogia Espírita (ABPE)
em 03 de Outubro de 2017.
Kardec
permanece o grande desconhecido, como dizia Herculano Pires, pois sua proposta
foi tão original, que pouca gente o entendeu até hoje. Nem adversários, nem
adeptos, compreendem o que ele fez e propôs e tão pouco percebem a grandeza
moral que mostrou em toda a sua vida.
Uma pessoa séria, devotada à
educação das crianças e, depois, à educação da humanidade, um pensador crítico,
aberto, perquiridor.
O que nos interessa aqui
comentar é que Kardec não considerava suas obras uma revelação fechada, para
ser entendida e acatada como algo sagrado e imutável. Na medida em que propunha
ser o Espiritismo uma forma de ciência, baseada na observação, então, estaria
sempre aberto a novas descobertas e a outros contextos históricos e culturais.
O problema é que alguns que
se apegam a essa visão do Espiritismo como um corpo flexível de ideias, muitas
vezes querem enxertar nele coisas sem pé nem cabeça, opiniões pessoais e
atrativos comerciais.
Outros se fecham numa interpretação sacralizada das obras de
Kardec, chamando-as de pentateuco, como
se fosse uma reedição do Velho Testamento, com todas as características de um
texto inquestionável.
Nem uma coisa, nem outra.
O Espiritismo deve avançar,
mas avançar significa adotar o método, o cuidado, a dimensão cultural e
pedagógica que Kardec usou para lançar seus fundamentos.
Kardec justamente foi a
personalidade escolhida para a sua missão, pelo seu rigor, pela sua
racionalidade, pela sua modéstia pessoal, nem um pouco interessado em
conquistar seguidores cegos e bajuladores.
Para entendermos, porém, o seu percurso, como chegou à
formulação dos princípios básicos do Espiritismo, temos que ler e estudar
Kardec de cabo a rabo, todos os livros, incluindo a Revista Espírita. Não adianta querer conhecer Kardec
em cursos apostilados, onde não temos leitura direta e aprofundada de suas
obras.
Deixe-me explicar melhor. Quando estudamos resumos ou apostilas,
livros supostamente didáticos de espiritismo, dá-se o seguinte problema:
passamos a adotar princípios espíritas como dogmas, como coisas prontas e
acabadas. Quando lemos Kardec no original (incluindo a Revista Espírita), vamos acompanhando o seu método,
como ele chegou a tal ou qual conclusão. Observamos seus argumentos, como ele
trabalhava com hipóteses, para depois confirmá-las e como ele deixa algumas
coisas em aberto mesmo.
Essas apostilas/livros de
estudo, que correm as casas espíritas do Brasil não são Kardec por ele mesmo,
mas Kardec por um determinado viés. E o que é pior, nas referências
bibliográficas e nas citações, ainda aparecem trechos de médiuns brasileiros,
que não passaram pelo crivo da crítica racional, como queria Kardec que todos
os textos mediúnicos passassem.
Então, para recuperarmos o
espírito de Kardec e não a letra engessada, leiamos Kardec diretamente.
Além disso, entendamos que
mesmo com a solidez de uma pesquisa bem feita, há coisas em Kardec que são do
contexto histórico de sua época, que precisam ser lidas assim.
O que considero a melhor e maior contribuição de Kardec para a
história da espiritualidade no planeta Terra é que pela primeira vez, a
revelação é submetida a critérios de pesquisa e avaliação racional, (aliás, ela
própria entendida de maneira muito mais ampla do que só a revelação religiosa,
como Kardec bem explica em seu indispensável capítulo da Gênesis, Caracteres da Revelação Espírita).
Entendendo-se o Espiritismo
como Kardec o entendia, trata-se de um pensamento aberto, em permanente
construção, universalista (porque considera que a verdade está em toda parte).
Mas em toda parte, ela deve ser fruto da pesquisa, da razão e da experiência
subjetiva de cada um.
É também uma proposta humanista,
de confiança na capacidade do ser humano, de se governar a si mesmo,
dispensando gurus, mestres… a mediunidade democratizada, a ética clara e
evidente, a reencarnação como chave de entendimento dos seres humanos, de
maneira essencialmente igualitária e não o contrário.
Um pensamento com
contribuições importantíssimas, um mestre que não se fez de mestre, um filósofo
que não se aferrou a sistemas e um pesquisador que aliou sempre sua busca a uma
dimensão moral e crítica. Pena que tão pouca gente entendeu!
BIBLIOGRAFIA
CONSULTADA:
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