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Fábio José Lourenço Bezerra
Na segunda
metade do século XIX a ciência e a tecnologia avançavam, oferecendo grandes
contribuições à humanidade. O telégrafo possibilitou a comunicação quase
instantânea entre longas distâncias, e o trem a vapor tornou possíveis as
viagens de muitos para os mais distantes lugares, em um tempo muito menor.
Estas foram apenas duas entre muitas outras grandes contribuições.
Assim, o estudo da natureza passava a ter extrema importância, e muito se questionava sobre os ensinamentos
da religião que, exigindo uma fé cega, colocava muitos obstáculos a este estudo, limitando o pensamento humano. Cada vez mais pessoas desejavam
compreender para crer.
Muitas pessoas
se interrogavam: Como um Deus infinitamente bom, justo e todo-poderoso permitia
tanto sofrimento e desigualdade entre os seus filhos?
Diante de tudo isso,
o materialismo científico, que afirma que tudo surgiu por acaso, não havendo
necessidade de um Deus para a criação do nosso Universo, avançava cada vez mais.
Para o materialismo, as pessoas não passariam de pedaços de carne e osso
inteligentes, sensíveis e com data de validade. As religiões nada mais seriam
do que criações da imaginação humana.
Com o
materialismo, vinha o pessimismo. Afinal, sem um propósito, um plano superior
para a vida, nosso destino dependeria do acaso. Sofrer ou se dar bem na vida,
muitas vezes, nada mais seria do que uma questão de sorte.
O que restaria
das pessoas após a morte, se não possuem uma alma imortal? O suicídio, neste
caso, seria uma fuga natural para aqueles que passam por grandes sofrimentos na
vida. Para que viver sofrendo se, com a morte, tudo cessa?
Nossos parentes
e amigos mais queridos simplesmente deixariam de existir depois de seus corpos
terem descido para a sepultura.
Para que
procurar modificar-se, combater em si os vícios morais do egoísmo, do orgulho,
da vaidade e do apego às coisas materiais, querer tornar-se uma pessoa boa e
equilibrada, se a vida é curta? Tudo acabando com a morte, só nos resta
desfrutar da vida intensamente, sem se importar com quem quer que seja, pois a
vida pode acabar a qualquer momento. Só alguém que já é naturalmente bom poderia
continuar sendo, se fosse materialista. Mas mesmo assim questionaria se sua
bondade não é uma perda de tempo, diante de tantas pessoas que só se importam
consigo mesmas e estão desfrutando intensamente dos prazeres que a vida pode
proporcionar.
Imaginemos um mundo
onde a única crença fosse o materialismo. Seria uma selva, onde os fracos
seriam devorados pelos fortes.
Foi nessa época
que, como resposta dos céus, a partir dos Estados Unidos, (depois que
aconteceram os fenômenos de Hydesville – Ver o texto “O Início do Espiritismo Parte
1– Hydesville”, neste blog), passando pela França, Europa e
o resto do mundo, espalhou-se como uma epidemia o fenômeno das “mesas
girantes”. Ele ocorria quando várias pessoas sentavam-se ao redor de
uma mesa, todos pondo as mãos em cima dela, formando entre si uma corrente.
Após um tempo, a mesa girava, flutuava e movia-se no ar sem apoio visível
nenhum, e com batidas dos seus pés no chão, respondia às perguntas das pessoas
presentes através de códigos (por exemplo, uma pancada significava a letra “A”;
duas pancadas a letra “B”, até formar-se uma palavra, e em seguida frases
inteiras).
Fonte da imagem: http://dalhemongo.com/coluna-das-mesas-girantes-a-codificacao
Durante muito tempo, as mesas
girantes foram o principal divertimento da sociedade européia da época,
notadamente a parisiense. Aconteciam tanto nos salões de festa quanto nos
lares, quando os familiares e amigos reuniam-se para interrogar as mesas sobre
os mais diversos assuntos que, em sua maioria, eram banais: se ia arranjar um
marido, conseguir um emprego ou enriquecer, por exemplo.
Além dos curiosos, os fenômenos
também atraíram a atenção de homens de ciência da época. Alguns, ante os fatos,
simplesmente os negavam, declarando que o fenômeno não passava de fraude pura e
simples, sem antes investigar melhor; outros, mais criteriosos, tomaram todas
as precauções para afastar totalmente a possibilidade de fraude. Afastada esta
possibilidade, convenceram-se da realidade dos fatos, procurando explicá-los
através das mais diversas hipóteses: uns defendiam a atuação dos Espíritos;
outros, através da atuação do subconsciente das pessoas presentes nas
sessões.
O fenômeno foi registrado em
vários livros e muitos jornais da época.
Com o tempo, as comunicações
evoluíram, sob a orientação das próprias inteligências que guiavam as mesas,
para um lápis amarrado em uma cesta, segurada por duas pessoas, a escrever em
uma folha de papel. Por fim, elas sugeriram colocar-se um lápis
diretamente na mão do médium (pessoa dotada da
sensibilidade para comunicar-se com os Espíritos, em alguns
casos capaz de ceder energia para que eles movam objetos, produzam pancadas,
etc.), da qual tomariam o controle temporariamente para escrever. Nascia,
assim, a psicografia.
Um dos
investigadores acima citados, residente em Lyon, França, teve a sua atenção
chamada para o fenômeno das “mesas girantes” através de um amigo, que o chamou
para assistir a uma sessão. Era Hippolyte León Denizard Rivail,
que mais tarde passaria a utilizar o pseudônimo Allan Kardec.
Um homem de notável saber e inteligência, principal discípulo do grande
professor Pestalozzi. Rivail era bastante conhecido e respeitado em sua época. Dedicou-se
à instrução e à educação durante aproximadamente trinta anos, tendo sido,
inclusive, diretor de escola e professor. Escreveu vários livros didáticos
sobre diversos assuntos, entre os quais Aritmética, Gramática francesa,
Química, Física, Astronomia e Anatomia Comparada. Falava e escrevia em várias
línguas, conhecendo bem o alemão, o inglês, o holandês, o latim, o grego e o
gaulês.
Quando
seu amigo de muito tempo, o Sr. Fortier, o informou que as mesas giravam,
flutuavam e percorriam o ar sem nenhum apoio, Allan Kardec logo pensou na
hipótese de o fenômeno ter uma causa puramente física. A eletricidade ou o
magnetismo, pensou ele, poderiam estar ali atuando de maneira desconhecida.
Porém, quando novamente se encontrou como Sr. Fortier, este lhe informou:
“Temos
uma coisa muito mais extraordinária; não só se consegue que uma mesa se mova, magnetizando-a,
como também que fale. Interrogada, ela responde.”
De imediato, a
reação de Kardec foi a seguinte declaração:
“Eu acreditarei
quando ver e quando me tiverem provado que uma mesa tem cérebro para pensar,
nervos para sentir, e que pode se tornar sonâmbula. Até lá, permita-me que não
veja nisso senão uma fábula para provocar o sono”.
Procurando
verificar os fenômenos por si mesmo, ele foi assistir a primeira
das inúmeras sessões mediúnicas em que esteve presente.
Inicialmente, procurou
examinar bem o fenômeno, para ver se descobria alguma fraude. Comprovou que era
autêntico.
Vendo que realmente
havia uma causa inteligente por trás do fenômeno, pensou na hipótese dele ser
dirigido pela mente do médium e das pessoas presentes, só que de forma
inconsciente. Depois de muitas observações, durante as várias sessões que
participou, viu que esta hipótese não explicava os fatos.
Após assistir a
suas primeiras sessões, Kardec teve uma idéia: testar as inteligências invisíveis
com perguntas de alto teor cientifico e filosófico. Algumas simples e diretas;
outras, com o real propósito de verificar se as respostas se contradiziam e se
poderiam ser induzidas pela pessoa que pergunta. Para sua surpresa, muitas das
inteligências não se deixavam influenciar, dando respostas inteligentes, ricas
de lógica, conhecimentos e moralidade. Observou que uma enorme parte delas
não se contradizia, e estavam muito acima da capacidade e conhecimentos dos
médiuns e dos presentes nas sessões.
Ele fez estas
perguntas para Espíritos que se comunicavam através de vários médiuns (mais
de dez médiuns, que não se conheciam e de localidades distantes entre si).
Procurava, dessa forma, se certificar de que as comunicações realmente não eram
produto da mente dos médiuns e dos presentes nas sessões. Ele selecionou então
as perguntas cujas respostas não feriam a lógica e eram coerentes entre si. Porém,
Kardec aprendeu tanto com o menor, quanto com o maior dos Espíritos que se
comunicavam. Ele escreveu na introdução de “O Livro dos Espíritos”:
“[...] Em alguns casos, as respostas revelam tal
cunho de sabedoria, de profundeza e de oportunidade, pensamentos tão elevados e
tão sublimes, que não podem emanar senão de uma Inteligência superior,
impregnada da mais pura moralidade. De outras vezes são tão levianas, tão
frívolas, tão triviais mesmo, que a razão se recusa a acreditar que possam
proceder da mesma fonte. Tal diversidade de linguagem não se pode explicar
senão pela diversidade das Inteligências que se manifestam.”
Imagine, por um momento, que você
quer saber tudo sobre determinado país e seus habitantes. Desconfiado, você não
acha suficiente pesquisar na internet, quer o testemunho de pessoas que você
conhece e que já estiveram lá. Porém, uma ou duas pessoas lhe contando é muito
pouco, pois você quer conhecer o país através do ponto de vista de várias
pessoas conhecidas e fazer a comparação. Aí sim, você vai estar seguro.
Eis que, por um golpe de sorte, diversos
parentes, amigos e conhecidos já estiveram naquele país, e eles são das mais
diversas classes sociais, idades e níveis de instrução. Isto é muito bom,
afinal, você quer conhecer o país como um todo e não apenas a parte mais
humilde, ou a mais rica. Também quer saber sobre os pontos turísticos, o custo
de vida, os programas culturais, clima, costumes, etc. Para sua felicidade, as
descrições que todas essas pessoas lhe deram formam um todo coerente, fazendo
você visualizar mentalmente o país de forma geral, e também em vários detalhes.
Os relatos coincidem em vários
pontos, e muitas das pessoas que você entrevistou são de sua inteira confiança.
E veja que você fez essas perguntas por vários anos seguidos!!! Será que você
ainda tem alguma dúvida de que sabe muita coisa verdadeira sobre esse país,
apesar de nunca ter posto os pés lá?
Admitamos agora a hipótese de que
as pessoas possam, após o seu falecimento, comunicar-se conosco e contar tudo o
que presenciaram, tudo o que sentiram do outro lado da vida. Admitamos também
que essas comunicações só sejam possíveis através da sensibilidade especial de
determinadas pessoas (os médiuns), que nos transmitiriam a comunicação recebida
através de várias formas, como, por exemplo, a psicografia (método através do
qual os Espíritos, pelas mãos dos médiuns, escrevem textos). Como poderíamos
saber que aquelas comunicações são realmente de pessoas falecidas e não são
produto da mente do médium, ainda que inconscientemente?
Lembremos do que foi dito no
início deste texto, quando perguntamos a várias pessoas sobre determinado país
que elas conheceram. Poderíamos imaginar agora, no lugar dessas pessoas, vários
médiuns, que não se conhecem, de localidades distantes entre si, recebendo
comunicações de vários Espíritos cada um, que revelariam as
suas impressões acerca do mundo espiritual. Se, de fato, as centenas de
comunicações obtidas coincidirem em vários pontos, aliás, na grande maioria
deles, e se o teor dessas comunicações estiver muito acima do nível cultural
dos médiuns, além de formarem um todo lógico, coerente, teríamos,
evidentemente, um retrato muito confiável do que seria a vida pós-morte. As
diferenças poderiam, neste caso, ser facilmente atribuídas aos pontos de vista
característicos de cada Espírito comunicante, da mesma forma que, na vida
material, as pessoas emitem pontos de vista e impressões distintas acerca de um
mesmo assunto.
Após suas
investigações pessoais, Kardec observou que o conteúdo das comunicações dos Espíritos
ia sendo confirmado ao longo do tempo, através de diferentes médiuns de centros
espíritas sérios, localizados em várias partes do mundo (cerca de mil
centros).
O resultado de
suas experiências demonstrava que uma enorme parte dos casos se devia a uma
inteligência independente do médium e das pessoas presentes, contrária muitas
vezes às convicções religiosas e filosóficas destes, com vontade e
personalidade própria. Numerosas vezes dotadas de grande conhecimento,
inteligência e moralidade. Isto além do fato de as próprias inteligências
insistentemente afirmarem que eram Espíritos, tendo um dia possuído um corpo,
nada mais sendo que as almas de pessoas que um dia viveram na Terra. Afirmação
esta, diga-se de passagem, feita antes mesmo de alguém pensar nesta hipótese,
surgida mesmo em meios totalmente avessos a esta idéia, como ocorreu com a
família Fox, que eram protestantes, e muitos outros casos registrados no
inicio dos fenômenos espíritas.
As revelações
dadas pelos Espíritos possuíam um caráter revolucionário, e ao mesmo tempo
profundamente racional. Eles apresentaram um conceito de Deus, da vida e do
universo totalmente diversos do que se tinha até então, e a justiça divina
nunca se apresentara tão rica em lógica e perfeição. Deus deixava de ser um Pai
descontrolado e vingativo, que condenava seus filhos desencaminhados a uma
punição eterna, para lhes dar infinitas chances de arrependimento,
proporcionando-lhes meios de se reeducarem e conquistarem a perfeição moral e
intelectual. Para esse Deus, nenhum de seus filhos seria excluído, por mais
tempo que exigisse, da benção de evoluir moral e intelectualmente, estabelecendo
a comunhão plena com Ele.
Os Espíritos traziam
para a humanidade a possibilidade de crer e ao mesmo tempo compreender.
A força que
todas estas circunstâncias tinham fizeram Kardec concluir que as inteligências
comunicantes eram exatamente o que alegavam ser: pessoas que sobreviveram à
morte do corpo físico, conservando intacta a sua alma. Ele constatou
imediatamente a grande importância desta revelação, tomando a decisão de
publicar as suas conclusões, mas principalmente as revelações dadas pelos
Espíritos.
Os Espíritos
Superiores informaram a Kardec que ele tinha uma missão a cumprir: divulgar a
Doutrina Espírita pelo mundo. Eles prometeram dar todo o apoio durante este
trabalho, supervisionando toda a Codificação, quer dizer, a reunião e
organização de todos os ensinamentos dados pelos Espíritos Superiores na forma
de uma Doutrina.
O primeiro fruto
deste trabalho foi "O Livro dos Espíritos", publicado em 1857
e depois bastante ampliado em sua segunda edição de 1860. Trata-se da principal
obra do Espiritismo. Com uma excelente
introdução filosófica, ele é dividido em 4 (quatro) partes, e cada uma delas
foi aprofundada depois, nas obras a seguir :
Das causas primárias - aprofundada em A
Gênese, que trata do aspecto científico do Espiritismo;
Do mundo espírita ou mundo dos
Espíritos -
aprofundada em O Livro dos Médiuns, que trata da prática espírita, a
mediunidade. Verdadeiro manual de instruções para os médiuns e os demais
participantes das reuniões mediúnicas;
Das leis morais - aprofundada em O
Evangelho Segundo o Espiritismo, que trata das questões morais e da
mensagem de Jesus à luz da Doutrina Espírita;
Das esperanças e consolações – aprofundada em O Céu
e o Inferno, que trata do estudo sobre a Justiça Divina, mostrando que
o céu e o inferno são construções mentais de cada um.
As obras acima citadas formam a
base da Doutrina Espírita. São conhecidas no meio espírita como o Pentateuco
Kardequiano. Também foram publicadas obras complementares, como por
exemplo: "O que é o Espiritismo" – onde
Kardec rebate as principais objeções formuladas contra a Doutrina Espírita,
contendo ainda a biografia de Allan Kardec; "Obras
Póstumas" – concebido após sua morte e compilado por sua
esposa e outros companheiros de ideal espírita, reunindo anotações não
publicadas de Kardec; a Revista
Espírita, periódico que servia como
“laboratório” para o codificador, onde ele expunha suas hipóteses, idéias,
publicava novas comunicações mediúnicas e notícias acerca do movimento
espírita.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
1 KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Rio de Janeiro: FEB, [2013];
2 ______________. Obras Póstumas. Rio de Janeiro: FEB, [2003];
3. ______________.O Livro dos Médiuns:
ou guia dos médiuns e evocadores: espiritismo experimental। Rio de Janeiro: FEB, [1997];
4 ______________. O
Evangelho Segundo o Espiritismo. 3.ed.São Paulo: Petit, [1997];
5 _______________. O Que é
o Espiritismo: o espiritismo em sua mais simples expressão. 43. ed. São
Paulo: Instituto de Difusão Espírita, [2000];
6 TORCHI, Christiano. Espiritismo passo a passo com Kardec. 3 ed.Rio de Janeiro: FEB, [2011];
7 ANDRADE, Hernani Guimarães. Parapsicologia: uma visão panorâmica. São Paulo: FE, 2002;
8 WANTUIL, Zêus. As mesas girantes e o
Espiritismo. 1 ed.Rio
de Janeiro: FEB, [1957];
9 WANTUIL, Zêus; THIESEN,
Francisco. Allan Kardec: Pesquisa bibliográfica e ensaios de
interpretação. Vol II.1 ed.Rio de Janeiro.FEB, [1980].
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