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Fábio José Lourenço Bezerra
Os
Espíritos Superiores, durante a Codificação do Espiritismo, revelaram que Jesus
foi o Espírito mais perfeito que Deus nos enviou, encarnando na Terra com a
missão de servir de guia e modelo para a humanidade. Ou seja, devemos seguir
seus ensinamentos, e nos basear em seus exemplos, para que possamos trilhar o
caminho da perfeição espiritual.
Contudo, logo após o seu retorno ao mundo espiritual, sua palavra foi sendo
transmitida como tradição oral, isto é, no boca-a-boca dos chamados cristão
novos, aqueles que eram convertidos ao cristianismo nascente. Os estudiosos dos
evangelhos concluíram que eles só foram escritos entre 30 a 60 anos após a
morte de Jesus.
Imaginemos
a seguinte experiência: colocamos dez pessoas em fila, falamos algo no ouvido
da primeira pessoa e pedimos que ela faça o mesmo com quem está atrás, e assim
sucessivamente, até a mensagem chegar ao último da fila. Veremos que a
mensagem, ao longo deste curto caminho, chega bastante distorcida. Foi o que
aconteceu com a mensagem de Jesus, só que ao longo de décadas, por pessoas dos
mais diferentes graus de cultura e tipos de crença, tendo depois sido escritas
por pessoas que sequer o conheceram pessoalmente. Atribuíram,
incorretamente, a escrita dos evangelhos aos apóstolos de Jesus. Por exemplo,
os evangelhos aceitos pela Igreja – Marcos, Mateus e João, além de Lucas –
conforme os estudiosos, não foram os próprios que os escreveram. E pior: não
temos os originais destes primeiros escritos, apenas cópias das cópias das
cópias das cópias... e todas em grego antigo, que não era a língua original de
Jesus nem de seus apóstolos, que falavam o aramaico. São em torno de cinco mil
cópias, com muitas contradições entre si. Essas contradições de palavras,
frases ou mesmo textos inteiros, foram provocadas por erro acidental dos
copistas – afinal o processo de cópia era o manuscrito – e também, em muitos
casos, proposital, para acomodar as palavras de Jesus à crença de determinado
segmento cristão primitivo, que, como sabemos, existiam muitos (para maiores
detalhes, ver o texto “Quem é Jesus?”, neste blog).
Diante
de tantas contradições, como, então, poderemos saber quais as verdadeiras
palavras do Mestre Jesus?
Não restam
dúvidas de que o Espiritismo pode nos dar uma chave para compreender não só os Evangelhos
do Cristo, mas a Bíblia como um todo. Contudo, uma vez que a Doutrina Espírita
não é dogmática, isto é, não pretende impor verdades absolutas,
inquestionáveis, recomendando a seus seguidores o uso da razão e do pensamento
crítico, é aconselhável que verifiquemos o que os estudiosos da Bíblia têm a
nos dizer sobre a questão.
Em
1985, houve uma reunião de bibliólogos (estudiosos da Bíblia) – o chamado Seminário de Jesus –
para discutir e votar quais, dentre as mais de 1.500 frases supostamente ditas
pelo Cristo, seriam autênticas, e até que ponto. O livro “The Five Gospels: What Did Jesus Really Say?” [Os cinco
evangelhos: O que Jesus realmente disse?] foi fruto desse estudo. O resultado
dele foi que apenas vinte frases foram realmente ditas pelo Cristo, exatamente
da forma como se encontram nos evangelhos. É interessante notar que, além dos Evangelhos
aceitos pela igreja, que já citamos acima, o estudo também considerou o
Evangelho de Tomé, achado na década de 40 do século passado e, provavelmente, o
mais antigo dos cinco (para mais detalhes sobre este evangelho, ver o texto “Quem é Jesus?”, neste blog).
O autor Juan
Arias estudou teologia e jornalismo na Universidade Gregoriana de Roma;
línguas semíticas no Pontifício Instituto Bíblico; foi correspondente do jornal
El País no Vaticano durante 14 anos, ocasião em que pôde acompanhar os papas
Paulo VI e João Paulo II; atualmente, é colaborador de El País para a América
Latina. Ele escreveu o excelente livro “O Grande Segredo de Jesus: Uma Leitura Revolucionária
dos Evangelhos”. Nele, ele se refere assim às conclusões do estudo
acima referido:
“[...] Curiosamente,
trata-se dos dizeres que a Igreja sempre considerou de difícil interpretação,
as frases mais duras contra os poderes constituídos e as mais enigmáticas e
surpreendentes, como “Deixa os mortos enterrarem os mortos”. Estas são
justamente as palavras e narrativas mais usadas neste livro e que,
curiosamente, mais que o resto dos Evangelhos, confirmam a nossa tese de que Jesus
propunha uma ruptura total com o sistema existente e falava para uma possível
raça futura de seres inteligentes diferente da atual, baseada na solidariedade,
no amor aos inimigos, na aceitação dos diferentes e no respeito à dignidade da
pessoa, sem qualquer distinção de raça, fé, gênero etc., e não na violência.”
A respeito de
Jesus, ele diz:
“[...] Jesus
sempre foi apresentado como um líder religioso que deu origem a uma nova Igreja
nascida do Judaísmo, o que não é verdade. Jesus nunca pensou em fundar uma nova
religião, pois combatia todas elas devido ao fato de se basearem na violência e
nos ritos sacrificiais, na dor e na falta de liberdade.”
“[...] O obscuro
profeta da minúscula aldeia palestina de Nazaré parece dirigir-se a homens e
mulheres de uma espécie humana vindoura. Talvez, com a força do amor
desinteressado que impulsionava sua vida, ele se sentisse cidadão deste novo
mundo sem violência, do qual acabou sendo vítima inocente e inevitável. Isso significa
que, segundo a teoria deste livro, Jesus não falava aos homens da sua época, a
esta raça humana? De jeito nenhum. Jesus também falou para nós, seres humanos violentos
e ambiciosos inclinados a usar os mecanismos do amor em proveito próprio. O ser
humano pode melhorar, e de fato alguns, a começar pelo próprio Jesus vítima da
violência, alcançaram a sublimidade do amor que ele propunha. No entanto, as suas
intenções e seu alvo iam mais além, e ele nos indicou que o grande segredo que
estava revelando era que aquela loucura de um mundo sem violência não era uma
simples utopia, e algum dia outros seres humanos, seja lá o nome que recebam,
poderiam conseguí-lo.”
De fato,
conforme o Espiritismo nos ensina, a Terra está caminhando da categoria de mundo
de provas e expiações, onde o mal prevalece, para um mundo
de regeneração, onde as
almas que ainda têm o que expiar vão haurir novas forças, repousando das
fadigas da luta; em seguida para mundo feliz, onde o bem se
sobrepõe ao mal; e finalmente para mundo celeste ou divino,
morada dos Espíritos depurados, onde o bem reina inteiramente
(ver o texto “Um Dia, o Bem Reinará na Terra?”, neste blog).
No Capítulo XVIII, em sua obra “A Gênese”, na parte de título “A GERAÇÃO NOVA”, Allan
Kardec nos diz:
“Para que na Terra
sejam felizes os homens, preciso é que somente a povoem Espíritos bons,
encarnados e desencarnados, que somente ao bem se dediquem. Havendo chegado o
tempo, grande emigração se verifica dos que a habitam: a dos que praticam o mal
pelo mal, ainda não tocados pelo sentimento do bem, os quais,
já não sendo dignos do planeta transformado, serão excluídos, porque, senão,
lhe ocasionariam de novo perturbação e confusão e constituiriam obstáculo ao
progresso. Irão expiar o endurecimento de seus corações, uns em mundos
inferiores, outros em raças terrestres ainda atrasadas, equivalentes a mundos
daquela ordem, aos quais levarão os conhecimentos que hajam adquirido, tendo
por missão fazê-las avançar. Substituí-los-ão Espíritos melhores, que
farão reinem em seu seio a justiça, a paz e a fraternidade.
A Terra, no dizer
dos Espíritos, não terá de transformar-se por meio de um cataclismo que
aniquile de súbito uma geração. A atual desaparecerá gradualmente e a nova lhe
sucederá do mesmo modo, sem que haja mudança alguma na ordem natural das
coisas.
Tudo, pois, se
processará exteriormente, como sói acontecer, com a única, mas capital
diferença de que uma parte dos Espíritos que encarnavam na Terra aí não mais
tornarão a encarnar. Em cada criança que nascer, em vez de um Espírito atrasado
e inclinado ao mal, que antes nela encarnaria, virá um Espírito mais adiantado
e propenso ao bem.”
“[...] A época
atual é de transição; confundem-se os elementos das duas gerações. Colocados no
ponto intermédio, assistimos à partida de uma e a chegada da outra, já se
assinalando cada uma, no mundo, pelos caracteres que lhe são peculiares.
Têm idéias e pontos
de vista opostos as duas gerações que se sucedem. Pela natureza das disposições
morais, porém sobretudo das disposições intuitivas e inatas,
torna-se fácil distinguir a qual das duas pertence cada indivíduo.
Cabendo-lhe fundar
a era do progresso moral, a nova geração se distingue por inteligência e razão
geralmente precoces, juntas ao sentimento inato do bem e a
crenças espiritualistas, o que constitui sinal indubitável de certo grau de
adiantamento anterior. Não se comporá exclusivamente de Espíritos eminentemente
superiores, mas dos que, já tendo progredido, se acham predispostos a assimilar
todas as idéias progressistas e aptos a secundar o movimento de regeneração.”
Segundo Juan Arias
e muitos estudiosos dos Evangelhos, o ensinamento fundamental de Jesus era para
que o homem cultivasse em si próprio o amor desinteressado pelos outros, como
ele disse em Mateus 22:39, citando o Levítico 19:18: “Amarás a teu próximo como
a ti mesmo”. Conforme eles, o dogma adotado pela Igreja, de que o homem se
torna justo perante Deus, recebendo a recompensa eterna através da crença na
morte e ressurreição de Jesus, para pagar os pecados da humanidade, teria surgido devido a acréscimos posteriores
nos evangelhos, não sendo aquilo que Jesus realmente acreditava. Isto está
exatamente conforme o que o Espiritismo nos ensina.
De acordo com Juan
Arias:
“Hoje há certa
unanimidade entre os teólogos católicos e protestantes modernos de que Jesus
imaginou um mundo futuro sem religiões, templos e catedrais. É verdade que ele
era religioso, um judeu praticante que frequentava a sinagoga e o Templo, lia
em público e interpretava as Escrituras, ainda que com um amplo sentido crítico
quanto aos aspectos formais, rituais e legistas do judaísmo. No seu horizonte,
no coração do seu segredo de um possível mundo futuro sem violências, abusos de
poder e sem medo nem mesmo da morte, as religiões ritualizadas já não teriam
espaço. Deus – pai e mãe ao mesmo tempo, homem e mulher – seria cultuado no
âmago da consciência. Por isso, como anunciara à samaritana dos cinco maridos,
não fariam falta templos e catedrais, pois adoraríamos “em espírito e em
verdade” no altar mais profundo do nosso ser ou no grande templo da natureza,
espelho do melhor da divindade.”
Foi o que os
Espíritos Superiores da Codificação nos ensinaram há cerca de 155 anos atrás.
Quanto à época da
chegada do Reino de Deus, Juan Arias nos diz:
“[...] Há quem
chegue a pensar que Jesus se equivocou ao acreditar que o Reino chegaria
durante o seu tempo de vida.”
“[...] Contudo,
Jesus afirmou que ninguém, nem os anjos ou ele mesmo, só Deus, sabia o dia e a
hora em que nasceria a nova humanidade, a nova era, o mundo sem violências
fundado no amor desinteressado.
“[...] Lucas tem um
texto definitivo sobre isso que poucos quiseram examinar detalhadamente. Um
dia, um grupo de fariseus pergunta a Jesus, talvez tentando confundi-lo, quando
chegaria o famoso Reino de Deus que ele tanto anunciava sem jamais esclarecer
de que se tratava. A resposta é fundamental: “Interrogado pelos fariseus,
quando chegaria o Reino de Deus, respondeu-lhes Jesus, dizendo: ‘O Reino de
Deus não vem ostensivamente, nem se poderá dizer: está aqui ou ali, por o Reino
de Deus está entre vós.’” (Lc 17, 20- 21.)
“[...] Jesus chega
a dar uma pista: Já está no meio de vós. Onde? Onde as pessoas menos esperam.
Esse Novo Reino está germinando entre os que preferem a luz às trevas, não
desprezam os pobres, sabem perdoar as ofensas e respondem à violência gratuita
oferecendo a outra face.”
As palavras de Juan
Arias, acima, concordam bastante com o Espiritismo, que considera o céu e o
inferno como estados de consciência (Ver o texto “Por que Devemos Fazer o Bem?”,
neste blog).
Assim, conforme
demonstrado, os estudos atuais dos Evangelhos concordam bastante com a
interpretação Espírita do que realmente nos ensinou Jesus.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:
1 KARDEC, ALLAN. O Livro dos Espíritos. Rio de Janeiro
: Editora FEB,1995.;
2_____________ . O Evangelho segundo o Espiritismo. São
Paulo : Editora Petit, 1997.;
3______________.A Gênese: Os milagres e as predições segundo
o Espiritismo. Rio de Janeiro: Editora FEB, 1988;
4 ARIAS, Juan. O grande segredo de Jesus: uma leitura revolucionária dos Evangelhos.
Rio de Janeiro.Ed.Objetiva, 2012;
5 EHRMAN, Bart D. Evangelhos Perdidos. Rio de janeiro:
Editora Record, 2008;
6______________.O Que Jesus Disse? O Que Jesus Não Disse?: quem
mudou a Bíblia e porque. São Paulo: Editora Prestígio, 2006;
7______________.Quem Jesus Foi? Quem Jesus Não Foi? : mais
revelações inéditas sobre as contradições da Bíblia. Rio de Janeiro: Ediouro,
2010;
8 ______________.O Problema Com Deus: as respostas que a
Bíblia não dá ao sofrimento. Rio de Janeiro, Editora Agir, 2008;
9 RANGEL, Liszt. Arqueologia
dos Evangelhos: uma releitura histórica do pensamento de Jesus. Recife:
Editora Bom Livro, 2009;
10 SILVA, Severino Celestino da. Analisando
as Traduções Bíblicas: refletindo a essência da mensagem bíblica. João
Pessoa: Editora Núcleo Espírita Bom Samaritano, 2000;
11 PROPHET, Elizabeth Clare
e PROPHET, Erin L.Reencarnação: o elo perdido do cristianismo. Rio
de janeiro: Editora Nova Era, 2003.
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