quarta-feira, 15 de agosto de 2012

SATANÁS E SEUS DEMÔNIOS EXISTEM?



Fábio José Lourenço Bezerra


Muitas pessoas têm a Bíblia como paradigma para suas crenças. Contudo, esquecem de se aprofundar nos estudos dela. Uma interpretação literal da mesma, sem considerar sua linguagem, muitas vezes metafórica e simbólica, nem situar os livros que a constituem nos seus respectivos contextos históricos, ou deixar de considerar suas origens e a língua original em que foram escritos, pode dar margem às mais diversas interpretações, muitas vezes ilógicas e contraditórias, como, de fato, tem ocorrido. Isso sem falar das diversas traduções tendenciosas, feitas por tradutores de determinadas denominações religiosas, que distorceram os textos originais para adaptá-los às suas crenças pessoais e, até mesmo, para utilizá-las contra o Espiritismo (Ver os textos “A Bíblia Condena o Espiritismo?” Parte 1 e Parte 2, neste blog).
Um exemplo claro de falta de aprofundamento no estudo da Bíblia e de descaso com o contexto histórico, vemos na adoção, como verdade, da lenda de Satanás e o seu séquito de anjos caídos. Conforme nos explica Severino Celestino da Silva, no seu excelente livro “Analisando as traduções Bíblicas”:

“Satanás é uma figura muito controvertida na Bíblia. A palavra “Satã” significa acusador.

Aparece, pela primeira vez (grifo nosso) no livro de Job, sendo como um promotor celestial. A sua intimidade com Deus e o direito de entrar no “Céu”, de ir e vir livremente e dialogar com Ele, torna-o uma figura de muito destaque. Veja o livro de Job 1, 6 “Um dia em que os filhos de Deus se apresentaram diante do Senhor, veio também Satanás entre eles”.

O livro de Job foi escrito depois do Exílio Babilônico. Sabemos que o povo judeu, tendo retornado a Israel com a permissão de Ciro, rei persa, no ano 538 a.C., assimilou muitos costumes dos persas. Isto ocorreu devido à simpatia e apoio que receberam do rei, que inclusive permitiu a construção do segundo templo judaico e ainda devolveu muitos de seus tesouros, que haviam sido roubados.

A religião dos persas, o Zoroastrismo, influenciou sobremaneira o judaísmo.

No Zoroastrismo, existe o Deus supremo “Ahura-Mazda” que sofre a oposição de uma outra força poderosa, conhecida como “Angra-Mainyu, ou Ahriman”, “o espírito mau”. Desde o começo da existência, esses dois espíritos antagônicos têm-se combatido mutuamente.

O Zoroastrismo foi uma das mais antigas religiões a ensinar o triunfo final do bem sobre o mal. No fim, haverá punição para os maus e recompensa para os bons.

E foi do Zoroastrismo que os judeus aprenderam a crença em um “Ahriman”, um diabo pessoal, que, em hebraico, eles chamaram de “Satanás”. Por isso, o seu aparecimento na Bíblia só ocorre no livro de Job e nos outros livros após o exílio Babilônico, do ano 538 a.C. para cá. Nestes livros, já aparece a influência do Zoroastrismo persa. Observe ainda que a tentação de Adão e Eva é feita pela serpente e não por Satanás, demonstrando assim, que o escritor do Gênesis não conhecia Satanás.”

Fazendo um parêntese no texto de Severino Celestino, através dos estudos históricos, verificamos um exemplo, dentre muitos outros, semelhante ao do acima descrito, de um povo assimilar a crença de outro, adaptando-a e incorporando-a às suas próprias crenças. Foi o caso de Roma, que ao conquistar a Grécia, adaptou sua religião à dos Gregos. Os deuses gregos foram adaptados, como, por exemplo, o Zeus grego passou a ser Júpiter para os Romanos, Poseidon tornou-se Netuno, Dionísio tornou-se Baco, etc.

Mas vamos continuar com o texto de Severino Celestino:

“Uma outra observação interessante é que o livro de Samuel foi escrito antes da influência persa no ano de 622 a.C. e, no II livro de Samuel em seu capítulo 24,1, você lê com relação ao recenseamento de Israel o seguinte: “A cólera de IAHVÉH se inflamou novamente contra Israel e excitou David contra eles, dizendo-lhe: Vai recensear Israel e Judá”.

Agora veja esta mesma passagem no I livro das Crônicas, que foi escrito no começo do ano 300 a.C., portanto, já sob a influência do Zoroastrismo persa, com o já conhecimento de “Ahriman”“Satanás”. No capítulo 21, 1 desse livro, está escrito: Recenseamento: “e levantou-se Satã contra Israel, e excitou David a fazer o recenseamento de Israel”. Portanto, o que era IAHVÈH no livro de Samuel aparece agora no livro das Crônicas como SATANÁS. (Confira em sua Bíblia).

Assim, está evidenciado que Satanás não é um conceito original da Bíblia, e sim introduzido nela, a partir do Zoroastrismo Persa.

Passa a existir a partir daí, “uma lenda” entre o povo judeu de que Satanás é considerado como o rei dos demônios, que se rebelara contra Deus sendo expulso do céu. Ao exilar-se do céu, levou consigo uma hoste de anjos caídos, e tornou-se seu líder. A rebelião começou quando ele, Satanás, o maior dos anjos, com o dobro de asas, recusou prestar homenagem a Adão. Afirmam ainda que esteve por trás do pecado de Adão e Eva, no Jardim do Éden, mantendo relação sexual com Eva, sendo portanto, pai de Caim. Ajudou Noé a embriagar-se com vinho e tentou persuadir Abraão a não obedecer a Deus no sacrifício do seu filho Isaac.

Muitas pessoas acreditam muito no poder de Satanás e até o enaltecem em suas igrejas, razão pela qual, acharmos que seriam fechadas muitas igrejas se os seus dirigentes deixassem de acreditar em Satanás.

Para seu maior esclarecimento, Kardec faz uma observação sobre Satanás que descrevemos a seguir: “com relação a Satanás, é evidentemente a personificação do mal sob uma forma alegórica, pois não se poderia admitir um ser mau a lutar, de potência a potência, com a Divindade e cuja única preocupação seria a de contrariar os seus desígnios. Precisando o homem de figuras e de imagens para impressionar a sua imaginação, ele pintou os seres incorpóreos sob uma forma material, com atributos lembrando suas qualidades e seus defeitos”.

E conclui Kardec: “Modernamente, os anjos ou Espíritos puros são representados por uma figura radiosa, com asas brancas, símbolo da pureza; satanás com dois chifres, garras e os atributos da animalidade, emblema das paixões inferiores. O vulgo, que toma as coisas pela letra, viu nesses emblemas um indivíduo real, como outrora vira Saturno na alegoria do Tempo”.

Precisamos compreender e acreditar na misericórdia divina e no amor de Deus por nós. Um Deus onisciente, onipresente, infinitamente justo e bom e sobretudo AMOR que jamais colocaria entre nós, suas criaturas, alguém com os atributos que o homem colocou em Satanás.”

Com relação aos demônios, Severino Celestino esclarece:

“A palavra demônio não implica na idéia de Espírito mau senão na sua significação moderna, porque a palavra grega - “daimon”, da qual se origina, significa, “Deus”, “poder divino”, “Gênio”, “inteligência”, e se emprega para designar os seres incorpóreos, bons ou maus, sem distinção.

Segundo a significação vulgar, a palavra “demônios” significa seres essencialmente malfazejos e seriam, como todas as coisas, criação de Deus. Ora, Deus que é soberanamente justo e bom não pode ter criado seres predispostos ao mal por sua natureza e condenados por toda a eternidade. Se não são obras de Deus, seriam, pois, como Ele, de toda a eternidade, ou então haveria várias potências soberanas.”

“[...] Os homens acreditaram ser os anjos entes perfeitos por toda a eternidade e tomaram os Espíritos inferiores por seres perpetuamente maus. No entanto, pela palavra demônio, devemos entender como sendo os Espíritos impuros que, frequentemente, não valem mais do que as entidades designadas por esse nome, e com a diferença de que seu estado é transitório. São, portanto, os Espíritos imperfeitos que murmuram contra as provas que devem suportar e que, por isso, suportam-nas por mais tempo; chegando, porém, por seu turno, a saírem desse estado, quando o quiserem. Poder-se-ia aceitar então a palavra “demônio” com esta restrição. Nesse sentido exclusivo, poderia induzir ao erro, fazendo crer na existência de seres criados para o mal.”

Vemos, todos os dias, nos noticiários de televisão, casos de pessoas que foram capazes de atos monstruosos, bastante cruéis, contra o seu semelhante. Verdadeiros demônios, no sentido vulgar da palavra. Estes casos nos causam repugnância e indignação, porque sabemos que somos incapazes de praticar um ato que sequer se aproxime daquele. É que já possuímos em nós a capacidade de nos colocarmos no lugar das vítimas, ou seja, sentimos empatia por elas. Isso mostra que já estamos em um determinado patamar espiritual no qual o bem, ainda que timidamente, já reside em nós. Não é o caso dos agressores, que demonstraram total falta de bondade em seus corações.

Assim como a escuridão é ausência de luz, o mal é a ausência do bem. Este bem se adquire através de várias experiências na matéria, durante as reencarnações.

Enquanto não evoluem, e uma vez estando desencarnados, os Espíritos imperfeitos e ainda com tendências malévolas e viciosas, podem nos incitar para o mal e para o vício, através da sintonia mental que, porventura, mativermos com eles (Ver o texto Os Espíritos Influenciam Nossas Vidas?, neste blog).

Como relação ao nome Lúcifer, Severino Celestino também nos esclarece, na obra citada:


“Do latim, lux, fero= que traz a luz, que dá a claridade, luminoso.

O Versículo 12 do capítulo 14 de Isaías deu origem à palavra Lúcifer quando da tradução da Vulgata. Alguns teólogos citam ainda Ezequiel 37, 2-11, como referentes a ele. No entanto, nos textos da Bíblia hebraica e grega, esta palavra (Lúcifer) não aparece. Acompanhemos as diversas traduções:


O texto hebraico Isaías 14, 12, diz o seguinte


“[...]Tradução correta


 “Como caíste dos céus, estrela filha da manhã. Foste atirada na terra como vencedora das nações”.


Veja o Versículo no latim, onde São Jerônimo coloca a palavra Lúcifer: “quomodo cecidisti de caelo LUCIFER (astro brilhante, ou luz matutina) qui mane oriebaris corruisti in terram qui vulnerabas gentes”.”Como caíste do céu, ó estrela Dalva, filha da aurora! Como foste atirada à terra, vencedora das nações”. (Is.14,12).

Assim, fica constatado que o termo é latino, e lançado por São Jerônimo, quando da tradução da Vulgata, no século III da era Cristã. Alguns tentam ligar esta passagem ao apocalipse 8,10 como sendo a queda de Lúcifer, mas a história de que seria o chefe dos anjos caídos, citados na II epístola de Pedro 2,4 e Judas 6, não tem fundamento comprovado no antigo testamento, como podemos observar.

Uma vez mais nos deparamos com a questão das traduções, dos folclores e crenças pessoais!”


Allan Kardec, em sua obra "O Céu e o Inferno", no Capítulo IX, nos esclarece sobre a passagem acima, analisada por Severino Celestino:


"[...]Estas palavras não se referem à revolta dos anjos; são, sim, uma alusão ao orgulho e à queda do rei da Babilônia, que retinha os judeus em cativeiro, como atestam os últimos versículos."

"[...]Essas palavras são do rei que as tinha no coração e se colocava por orgulho acima de Deus, cujo povo escravizara. A libertação do povo judeu, da rainha de Babilônia e do destroço dos assírios é, ao demais, o assunto exclusivo desse capítulo."


Os últimos versículos, do Capítulo 14 de Isaías, a que Kardec se refere, dizem o seguinte:


"Os que te virem, aproximando-se, encarar-te-ão, dizendo: 'Será este o homem que turbou a Terra, que aterrou seus reinos, que fez do mundo um deserto, que destruiu cidades e reteve acorrentados os que se lhe entregaram prisioneiros?'"


Como podemos ver, a partir de uma tradução do versículo 11 do capítulo 14 do livro de Isaías para o latim, criou-se um nome que nada tinha a ver com o original hebraico, e ainda o atribuíram, erroneamente, à queda de Satanás.


Termino este texto com um trecho de Ezequiel 33:11:



“Por mim mesmo juro – disse o Senhor Deus – que não quero a morte do ímpio, senão que ele se converta, que deixe o mal caminho e que viva.”

              Este texto continua em "Satanás e Seus Demônios Existem? - Parte 2", neste blog.   


BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:


1 KARDEC, ALLAN. O Livro dos Espíritos. Rio de Janeiro : Editora FEB,1995.;


2 _______________. O céu e o inferno: a justiça divina segundo o Espiritismo. Rio de Janeiro : Editora FEB, 1990;

3_____________ . O Evangelho segundo o Espiritismo. São Paulo : Editora Petit, 1997.;

4______________.A Gênese: Os milagres e as predições segundo o Espiritismo. Rio de Janeiro: Editora FEB, 1988;


5 SILVA, Severino Celestino da. Analisando as traduções bíblicas:refletindo a essência da mensagem bíblica. João Pessoa: Editora Núcleo Espírita Bom Samaritano, 2000.


6 PIRES, José Herculano. Visão espírita da Biblia. São Paulo: 6 ed.Correio Fraterno [2009];

3 comentários:

  1. Eles existem sim. E Allan Kardec estava errado.

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  2. e evidente que as forças do mal existem, a verdade sobre a origem delas e que não sabemos.

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  3. O diabo,Satanás demônio somos nós mesmos,quando fazemos e pensamos só no mal,o apostolo Paulo disse:"Devemos atingir a grandeza do Cristo",ora só através da evolução espíritual, é q poderemos atingir a grandeza do Cristo,e essa grandeza convenhamos será impossível de alcançar,somente numa vida,será preciso muitas vidas.

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