terça-feira, 4 de setembro de 2012

SATANÁS E SEUS DEMÔNIOS EXISTEM ? – PARTE 2



Fábio José Lourenço Bezerra

            No nosso texto anterior Satanás e Seus Demônios Existem?, neste blog, vimos como se originou a lenda de Satanás e os seus anjos caídos, a partir do contato dos Hebreus com os Persas, durante o exílio na Babilônia, e do nome Lúcifer, criado por São Jerônimo ao traduzir os textos Bíblicos para o latim. Agora, vamos examinar o problema da existência de Satanás e seus anjos caídos, a partir da lógica.
            Vamos começar a análise lógica a partir destes atributos de Deus: Todo-Poderoso, Soberanamente Justo e Bom. Comparemos estes atributos com o que certas denominações religiosas ensinam sobre os anjos. Afinal, para eles, Satanás é um anjo que se rebelou contra Deus, sendo condenado a reinar no inferno, levando com ele um séquito de anjos rebeldes, que se tornaram demônios. Segundo essa crença, nem Satanás, nem seus demônios, por mais que se arrependam, mesmo que se disponham a compensar os seus erros, não terão direito à reabilitação junto a Deus.
            Os anjos seriam criados por Deus já perfeitos, plenos de sabedoria e bondade, já em contato direto com Ele, vivendo no Céu desde o início. Já nós, seres humanos, nascemos todos os dias imperfeitos, sujeitos, muitas vezes, aos sofrimentos que o mundo e as doenças podem proporcionar. Além disso, com grande possibilidade de pecar e ir sofrer eternamente no inferno. Ora, se Deus é soberanamente justo e bom, será que ele criaria seres em tão grande desigualdade de condições? Onde estaria o mérito dos anjos para terem a perfeição e habitar junto a Deus?
Uma lógica simples nos diz que essa visão dos anjos é falha. Acontece que os anjos, ao se apresentarem aos homens, na antiguidade, já possuíam os atributos da sabedoria e da bondade. Daí a pensarem que eles foram assim desde o início. Não é de admirar que pensassem assim, pois sua concepção de Deus era semelhante à dos Reis da época, homens muitas vezes cruéis, impiedosos e orgulhosos, que gostavam de ser bajulados, e que distribuíam favores a quem bem entendessem, mesmo que essa distribuição não fosse justa. Os povos da antiguidade não tinham, ainda, a capacidade de compreender um Criador Infinitamente justo e bom.
O mesmo aconteceu com os Espíritos maus. Pensaram que eles, desde a sua criação, foram maus e assim sempre seriam, daí a crença vulgar nos demônios. Ora, que Deus bom e justo seria esse, que criaria seres assim, sem capacidade de se regenerar e seguir o caminho do bem? Mesmo no caso de se arrependerem do mal que praticaram, não poderem se reabilitar perante Deus?  
A Doutrina Espírita nos ensina que todos os Espíritos são criados simples e ignorantes, e gradualmente, à custa de seus esforços, adquirem sabedoria e bondade, tornando-se anjos. Nenhum Espírito tem privilégio neste processo. Assim, atingir a felicidade no seio de Deus é mérito deles mesmos, e não às custas de um favor injusto, que exclua os demais . Além do que, nenhum deles estará sujeito, caso falhem na caminhada, a um sofrimento eterno, pois, devido à sua bondade, Deus dá infinitas chances de reabilitação ao Espírito, rumo à perfeição. Sendo justo, criou a lei na qual cada um responde pelos seus atos, sofrendo aquilo que fez o seu próximo sofrer, ou reabilitando-se ao fazer o bem. Evolui pelo amor ou pela dor.
Para o Espiritismo, os anjos são Espíritos que já atingiram a perfeição. Já os demônios, no sentido vulgar do termo, seriam Espíritos ainda muito imperfeitos, sem a luz do bem em seus corações, mas capazes de se arrepender, reabilitar-se e trilhar o caminho do bem.  
Vejamos o que o grande mestre Allan Kardec tem a nos dizer sobre Satanás e os seus demônios, na sua obra “O Céu e o Inferno”, no capítulo IX:
“Se Satã e os demônios eram anjos, eles eram perfeitos; como, sendo perfeitos, puderam falir a ponto de desconhecer a autoridade desse Deus, em cuja presença se encontravam? Ainda se tivesse logrado uma tal eminência gradualmente, depois de haver percorrido a escala da perfeição, poderíamos conceber um triste retrocesso; não, porém, do modo por que no-los apresentam, Isto é, perfeitos de origem.
A conclusão é esta: - Deus quis criar seres perfeitos, porquanto os favorecera com todos os dons, mas enganou-se: logo, segundo a Igreja, Deus não é infalível!
Pois nem a Igreja e nem os sagrados anais explicam a causa da rebelião dos anjos para com Deus e apenas dão como problemática (quase certa) a relutância no reconhecimento da futura missão do Cristo, que valor – perguntamos – que valor pode ter o quadro tão preciso e detalhado da cena então ocorrente? A que fonte recorreram, para inferir se de fato foram pronunciadas palavras tão claras e até simples colóquios? De duas uma: ou a cena é verdadeira ou não é. No primeiro caso, não havendo dúvida alguma, por que a Igreja não resolve a questão? Mas se a Igreja e a História se calam, se a coisa apenas parece certa, claro, não passa de hipótese, e a cena descritiva é mero fruto da imaginação.”
Abaixo transcrevemos a passagem do Velho Testamento Isaías 14, 11 e seguintes, para entender as suas palavras que transcrevemos logo após.  Essa passagem Bíblica, referente à queda do orgulhoso rei Babilônico, que se colocava acima de Deus, e que escravizara o povo Hebreu durante o exílio na Babilônia, foi a base da Igreja para, erroneamente, adotar a crença na queda de Satanás- Lúcifer (palavra criada por São Jerônimo, como vimos no texto anterior). Vejamos a passagem:
“Teu orgulho foi precipitado nos infernos; teu corpo morto baqueou por terra; tua cama verterá podridão, e vermes tua vestimenta. Como caíste do céu, Lúcifer (astro brilhante), tu que parecias tão brilhante ao romper do dia? Como foste arrojado sobre a Terra, tu que ferias as nações com teus golpes; que dizias de coração: subirei aos céus, estabelecerei meu trono acima dos astros de Deus, sentar-me-ei acima das nuvens mais altas e serei igual ao Altíssimo! E todavia foste precipitado dessa glória no inferno, até o mais fundo dos abismos. Os que te virem, aproximando-se, encarar-te-ão, dizendo: “Será este o homem que turbou a Terra, que aterrou seus reinos, que fez do mundo um deserto, que destruiu cidades e reteve acorrentados os que se lhe entregaram prisioneiros?
Logo podemos ver, pelas palavras grifadas no texto, que trata-se do Rei, e não de Satanás. Mas continuemos com Kardec:
“[...] As palavras atribuídas a Lúcifer revelam uma ignorância admirável num arcanjo que, por sua natureza e grau atingido, não deve participar, quanto à organização do Universo, dos erros e dos prejuízos que os homens têm professado, até serem pela Ciência esclarecidos. Como poderia, então, dizer que fixaria residência acima dos astros, dominando as mais elevadas nuvens?!
É sempre a velha crença da Terra como centro do Universo, do céu como formado de nuvens estendendo-se às estrelas, e da limitada região destas, que a Astronomia nos mostra disseminadas ao infinito no infinito espaço! Sabendo-se, como hoje se sabe, que as nuvens não se elevam a mais de duas léguas da superfície terráquea, e falando-se em dominá-las por mais alto, referindo-se a montanhas, preciso fora que a observação partisse da Terra, sendo ela, de fato, a morada dos anjos. Dado, porém, ser esta região superior, inútil fora alçar-se acima das nuvens. Emprestar aos anjos uma linguagem tisnada de ignorância, é confessar que os homens contemporâneos são mais sábios que os anjos. A Igreja tem caminhado sempre erradamente, não levando em conta os progressos da Ciência.”
Falar conforme as idéias humanas vigentes em sua época seria bastante natural, uma vez que se tratava do rei babilônico, e não de Satanás.
“[...] Admitindo a falibilidade dos anjos como a dos homens, a punição é consequência, aliás justa e natural, da falta; mas se admitirmos concomitantemente a possibilidade do resgate, a regeneração, a graça, após o arrependimento e a expiação, tudo se esclarece e se conforma com a bondade de Deus. Ele sabia que errariam, que seriam punidos, mas sabia igualmente que tal castigo temporário seria um meio de lhes fazer compreender o erro, revertendo ao fim em benefício deles. Eis como se explicam as palavras do profeta Ezequiel: - ‘Deus não quer a morte, porém a salvação do pecador.’
A inutilidade do arrependimento e a impossibilidade de regeneração, isso sim, importaria a negação da divina bondade. Admitida tal hipótese, poder-se-ia mesmo dizer, rigorosa e exatamente, que estes anjos desde a sua criação, visto Deus não poder ignorá-lo, foram votados à perpetuidade do mal, e predestinados a demônios para arrastarem os homens ao mal.
“[...] Por esta doutrina, apenas uma parte dos demônios está no inferno; a outra vaga em liberdade, envolvendo-se em tudo que aqui se passa, dando-se ao prazer de praticar o mal até o fim do mundo, cuja época indeterminada não chegará tão cedo, provavelmente. Mas, por que uma tal distinção? Serão estes menos culpados? Certo que não, a menos que se não revezem, como se pode inferir destas palavras (da Igreja): “Enquanto uns ficam na tenebrosa morada, servindo de instrumento da justiça divina contra as almas infelizes que seduziram.”
Suas ocupações consistem, pois, em martirizar as almas que seduziram. Assim, não se encarregam de punir faltas livre e voluntariamente cometidas, porém as que eles próprios provocaram. São ao mesmo tempo a causa do erro e o instrumento do castigo; e, coisa singular, que a justiça humana, por imperfeita não admitiria – vítima que sucumbe por fraqueza, em contingências alheias e porventura superiores à sua vontade, é tanto ou mais severamente punida do que o agente provocador que emprega astúcia e artifício, visto como essa vítima, deixando a Terra, vai para o inferno sofrer sem tréguas, nem favor, eternamente, enquanto que o causador da sua primeira falta, o agente provocador, goza de uma tal ou qual dilação e liberdade até o fim do mundo.
Como pode a justiça de Deus ser menos perfeita que a dos homens?
Mas ainda não é tudo: “Deus permite que ocupem lugar nesta criação, nas relações que com o homem deviam ter e das quais abusam perniciosamente.” Deus podia ignorar, no entanto, o abuso que fariam de uma liberdade por ele mesmo concedida? Então, por que a concedeu? Mas nesse caso é com conhecimento de causa que Deus abandona suas criaturas à mercê delas mesmas, sabendo, pela sua onisciência, que vão sucumbir, tendo a sorte dos demônios. Não serão elas de si mesmas bastante fracas para falirem, sem a provocação de um inimigo tanto mais perigoso quanto invisível? Ainda se o castigo fora temporário e o culpado pudesse remir-se pela reparação!...Mas não: a condenação é irrevogável, eterna! Arrependimento, regeneração, lamentos, tudo supérfluo!
Os demônios não passam de agentes provocadores e de antemão destinados a recrutar almas para o inferno, isto com a permissão de Deus, que antevia, ao criar estas almas, a sorte que as aguardava. Que se diria na Terra de um juiz que recorresse a tal expediente para abarrotar prisões? Estranha idéia de um Deus cujos atributos essenciais são: - justiça e bondade soberanas! E dizer-se que é em nome de Jesus, dAquele que só pregou amor, perdão e caridade, que tais doutrinas são ensinadas! Houve um tempo em que tais anomalias passavam despercebidas, porque não eram compreendidas nem sentidas; o homem, curvado ao jugo do despotismo, submetia-se á fé cega, abdicava da razão. Hoje, porém, que a hora da emancipação soou, esse homem compreende a justiça, e, desejando-a tanto na vida quanto na morte, exclama: - Não é, não pode ser tal, ou Deus não fora Deus.”
Os maus Espíritos, muitas vezes, nos incitam ao mal, quando os atraímos com os nossos maus pensamentos. Mas também recebemos os conselhos dos bons Espíritos, que nos sugerem a prática do bem. Cabe a nós, mediante nosso livre-arbítrio, escolher qual sugestão iremos acatar (Ver Os Espíritos Influenciam Nossas Vidas?, neste blog).
“[...](Igreja) “São, depois do pecado, o que é o homem depois da morte. A reabilitação dos que caíram torna-se, portanto, impossível.”
Donde provém essa impossibilidade? Não se compreende que ela seja a consequência de sua similitude com o homem depois da morte, proposição que, ao demais, é muito ambígua.
Acaso provirá da própria vontade dos demônios? Porventura da vontade divina? No primeiro caso a pertinácia denota uma extrema perversidade, um endurecimento absoluto no mal, e nem mesmo se compreende que seres tão profundamente perversos pudessem jamais ter sido anjos de virtude, conservando por tempo indefinido, na convivência destes, todos os traços da sua péssima índole e natureza.
No segundo caso, ainda menos se compreende que Deus inflija como castigo a impossibilidade de reparação, após uma primeira falta. O Evangelho nada diz que com isso se pareça.
(Igreja) “A sua perda é desde então irreparável, mantendo-se eles no orgulho perante Deus.” E de que lhes serviria não manterem tal orgulho, uma vez que é inútil todo o arrependimento? O bem só poderia interessá-los se eles tivessem uma esperança de reabilitação, fosse qual fosse o seu preço. Assim não acontece, no entanto, e pois se perseveram no mal é porque lhes trancaram a porta da esperança. Mas porque lhes trancaria Deus essa porta? Para se vingar da ofensa decorrente da sua insubmissão. E, assim, para saciar o seu ressentimento contra alguns culpados, deus prefere não somente vê-los sofrer, mas agravar o mal com o mal maior; impelir à perdição eternas toda a Humanidade, quando por um simples ato de clemência podia evitar tão grande desastre, aliás previsto de toda a eternidade!
Trata-se, no caso vertente, de um ato de clemência, de uma graça pura e simples que pudesse transformar-se em estímulo do mal? Não, trata-se de um perdão condicional, subordinado a uma regeneração sincera e completa, mas, ao invés de uma palavra de esperança e misericórdia, é como se Deus dissera: Pereça toda a raça humana antes que minha vingança.” E com semelhante doutrina ainda muita gente se admira de que haja incrédulos e ateus! E é assim que Jesus nos representa seu Pai? Ele nos deu a lei expressa do esquecimento e do perdão das ofensas, que nos manda pagar  o mal com o bem, que prescreve o amor dos nossos inimigos como a primeira das virtudes que nos conduzem ao céu, quereria desse modo que os homens fossem melhores, mais justos, mais indulgentes que o próprio Deus?”

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

1 KARDEC, ALLAN. O céu e o inferno: a justiça divina segundo o Espiritismo. Rio de Janeiro : Editora FEB, 1990;
2______________. O livro dos Espíritos. Rio de Janeiro : Editora FEB,1995.;

3______________. O Evangelho segundo o Espiritismo. São Paulo : Editora Petit, 1997.;

4______________.A Gênese: Os milagres e as predições segundo o Espiritismo. Rio de Janeiro: Editora FEB, 1988;
5 SILVA, Severino Celestino da. Analisando as traduções bíblicas:refletindo a essência da mensagem bíblica. João Pessoa: Editora Núcleo Espírita Bom Samaritano, 2000.

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